Quem não está familiarizado, baralha-se. Quem está sabe que muda todos os anos. O Draft é um sistema de escolhas usado no desporto norte-americano e que serve para reforçar as equipas. Olhamos para o da NFL [o da NBA é semelhante], a liga de futebol americano, não só porque ele decorre neste fim de semana, como é, provavelmente, o mais complexo. Para se ter uma ideia do acontecimento, o Draft causa praticamente o mesmo burburinho que o último dia de transferências no mercado do futebol europeu. Mas decorre durante três dias, numa sala, é televisionado e há até adeptos a apoiar jogadores e equipas. Ah, e pode haver coisas estranhas: em 1984, os Dallas Cowboys [tal como os Chicago Bulls na NBA!!!] optaram por um tal de Carl Lewis, vencedor de quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos desse ano no atletismo: 100 e 200 metros, estafeta 4x100 e salto em comprimento. 

As 32 equipas da NFL estão divididas em duas conferências  



Numa modalidade que começa a ter cada vez mais seguidores na Europa e em Portugal convém começar pelo básico. A National Football League [NFL] é constituída por 32 equipas, distribuídas por duas conferências: a American Football Conference [sempre representada pelo encarnado] e a National Football Conference [azul]. Depois de partidas em dois, as equipas formam-se em quatro divisões, que são, basicamente, como os grupos de seleções num mundial de futebol.

A importância do Draft

A primeira questão é perceber a importância do Draft. Os clubes da NFL podem reforçar-se de três modos: trocar jogadores por jogadores de outras equipas; contratar jogadores que ficaram livres de contrato [free agentes] e o Draft.

Ou seja, o que se vai passar em Nova Iorque neste fim de semana é extremamente importante para a constituição de um plantel de 53 jogadores, com uma variedade de posições enorme. No ano passado foram escolhidos 254 jogadores. 

Os plantéis dividem-se entre ataques e defesas: a quantidade de posições é enorme e ainda faltam na imagem as equipas especiais [os que pontapeiam, por exemplo]

 

O padrão na NFL

Neste ano, o Draft da NFL vai decorrer entre esta noite de quinta-feira e sábado e consiste de sete rondas. Por defeito, cada uma das 32 equipas tem uma escolha por ronda. Esse é o padrão. Mas é aqui que as coisas se começam a complicar.

Desde logo, porque essas escolhas [ picks] podem ser negociadas com outras equipas. Seja por troca com um jogador que interesse, seja por uma ou várias picks num Draft futuro.

Para além disso, a própria NFL pode atribuir escolhas extra, no máximo de quatro por equipa. Porquê? Por causa dos free agents, os tais jogadores livres para assinar contrato com outras equipas. No entanto, há uma modalidade neste estatuto que é a de restricted free agent.

Estes são jogadores pelos quais uma outra equipa pode fazer uma oferta, mas que pode ser igualada pelo clube a quem esse jogador está ligado. Se a equipa a que pertence optar por não igualar a oferta, pode receber uma escolha adicional no Draft: por isso o número de jogadores selecionados pode variar de ano para ano.

Em 2013 houve 254 escolhidos, este ano serão 256. Assim, 32 escolhas vezes sete rondas, mais 32 adicionais que a NFL concedeu perfazem aquele total de 256.

É por tudo isto que entre picks adicionais e negociadas, este ano os New York Jets e os St Louis Rams têm 12 escolhas espalhadas pelas sete rondas, enquanto os Indianapolis Colts têm apenas direito a cinco.

15 minutos para escolher um jogador

As equipas da NFL são franchises extremamente organizados. Por isso, a busca e a análise de um jogador chega muito antes de ele ser elegível [ver explicação mais à frente] para o Draft. Há uma análise ao passado, às estatísticas, enfim, um perfil completo para se escolher o homem certo para a posição necessitada.

Também há o NFL Combine [ foto de Manziel, em baixo], que é um evento onde se juntam aqueles que são tidos como os melhores do ano e no qual as equipas podem observar com maior atenção os alvos.

Feita a pesquisa, hierarquiza-se. Porque só quem tem as escolhas iniciais pode estar descansado em conseguir o que quer. Em algumas ocasiões, para estas equipas o Draft é uma mera formalidade. Quem tem a first pick, primeira escolha, chega muitas vezes a acordo com o jogador que pretende antes e, assim, a cerimónia serve apenas para celebração e formalização da assinatura do contrato.

Jonathan Manziel, da Texas A&M, conhecido como Johnny Football é um dos favoritos às primeiras escolhas do Draft 2014: um bom quarterback é sempre um alvo muito apetecível



Quem vem a seguir tem a vida mais complicada. E é aí que entra a ditadura do relógio. Assim que o Comissário da NFL dá início ao Draft, o relógio começa a contar para a primeira equipa a escolher. Na primeira ronda, cada clube tem 15 minutos para anunciar um jogador. O tempo diminui para a segunda ronda e continua a diminuir para as seguintes: entre a terceira e a sétima só há cinco minutos para optar.

Pode uma equipa então roubar um jogador a outra? Pode, perfeitamente, e até já aconteceu. É por isso que os gabinetes no Draft se chamam de War Room. Vejamos um exemplo, fictício: os NY Giants pretendem um wide receiver [jogador ofensivo que corre pelo campo e apanha a bola lançada pelo quarterback] e elaboram uma lista de potenciais jogadores. Têm a 20º escolha na primeira ronda.

Tinham identificado três atletas que queriam, mas esses foram já tomados. Pode haver uma indecisão entre escolher o wide receiver seguinte ou reforçar uma outra posição. Isso pode consumir tempo e esgotá-lo. Se soar o apito, quem tem a 21º escolha [os Dallas Cowboys, imagine-se] avança e pode piorar ainda a situação dos Giants, se acertar precisamente na decisão que a equipa de NY tomou e que anunciará apenas e só depois de os texanos falarem.

Como se define a posição das equipas no Draft

Como já se disse, as escolhas podem ser negociadas e trocadas. Ainda assim, há regras de partida para definir a posição das equipas no Draft.

A primeira é simples: a pior da equipa da época tem a 1st pick, o campeão a última. Ou seja, a ordem é inversa à classificação. Neste ano, os Houston Texans partem à frente, os Seattle Seahawks no fim.

As outras 30 equipas que ficam no meio seguem este critério: as que não chegaram ao playoff escolhem primeiro, as que lá foram, depois [o finalista vencido do Superbowl terá a penúltima, portanto]. Mas e se duas equipas tiverem o mesmo registo de vitórias e derrotas na temporada? Ou se foram eliminadas na mesma fase do playoff?

Aí, regem-se por três critérios: a força do calendário, que se refere ao saldo de vitórias e derrotas dos adversários defrontados na temporada que acabou [uma equipa da NFL pode jogar com outra três vezes na época e outra ainda apenas duas, por exemplo]; registo de triunfos e derrotas dentro da divisão em que está e depois dentro da conferência.

Se nada disto resolver, moeda ao ar. 

O padrão do Draft para 2014, ainda sem as trocas nem os playoffs definidos: os Redskins negociaram a segunda escolha com os St Louis Rams

 

Quem pode entrar no Draft?

Basicamente, as equipas podem optar por quem quiserem. Ou quase. Carl Lewis, campeão olímpico em Los Angeles, foi escolhido pelos Dallas Cowboys nesse mesmo ano de 1984. É até algo habitual serem contratados atletas de outras modalidades. Mas há regras de elegibilidade, até porque o sistema foi criado para ir «beber» jogadores à universidade.

Os atletas têm de se propor e preencher um requisito fundamental: só podem candidatar-se depois de se passarem três anos após a conclusão do ensino secundário. Ou seja, caloiros e alunos de segundo ano da Universidade não estão elegíveis. 

 

Foi isso que aconteceu a Jadeveon Clowney. Apontado às primeiras escolhas do Draft deste ano, este jogador defensivo da University of South Carolina teria sido também uma das principais opções em 2013. Mas ainda estava no segundo ano da Universidade o que o impediu de jogar na NFL.

Para além desta regra, há outros formalismos. A candidatura ao Draft tem de ser enviada até janeiro. Assim que for aceite, um jogador nunca mais pode voltar ao futebol universitário. E isto é um ponto fundamental, porque quem não é escolhido, não pode voltar atrás e terá de continuar numa luta árdua para chegar ao profissionalismo.

Ordenados e a festa da última escolha

A importância da primeira escolha não recai apenas nas equipas. É também a mais ansiada por um jogador, independentemente da posição em que atua no campo. Como seria de esperar, os mais cobiçados são os mais bem pagos e as primeiras escolhas assinam logo contratos milionários.

E o último? Bom, o último recebe muito menos dinheiro no primeiro contrato, mas sabe que vai entrar no futebol profissional. Curiosamente, a última escolha do Draft da NFL provoca quase tanto furor como a primeira. Desde logo, leva com uma alcunha: o Sr. Irrelevante. E depois, desde 1976, tem direito à Semana da Irrelevância.

O criador desta ideia é Paul Salata, um ex-jogador. É ele que todos os anos anuncia a última escolha. No verão seguinte, o Sr Irrelevante e a família são convidados a passar uma semana em Newport Beach, Califórnia, onde participam num torneio de golfe, numa regata e ainda num churrasco onde o atleta recebe aconselhamento. A semana termina com a entrega do Lowsman Trophy, que é oposto ao Troféu Heisman que distingue o melhor jogador do ano no futebol universitário.  

Peyton Manning (esq) e Tom Brady (dir): o primeiro foi escolha número um no Draft de 1998; o segundo teve de esperar até à sexta ronda e foi a escolha 199 do Draft de 2000: ambos são dos melhores quarterbacks da história do jogo