Eusébio da Silva Ferreira habituou-se a ganhar tudo no Benfica, mas no dia 3 de dezembro foi a Dortmund contar que também aprendeu a perder «com dignidade» no clube da Luz. Um testemunho que arrancou aplausos de cerca de trezentos alemães que comemoravam os cinquenta anos sobre a goleada que o Borussia impôs ao «glorioso», por 5-0, na longínqua temporada de 1963/64. Para a equipa de Dortmund foi o «jogo do século», para o Benfica a derrota mais pesada no seu historial europeu até 1999, o ano negro dos Balaídos e da derrota por 0-7 diante do Celta.



Pode parecer estranho um clube convidar um adversário para comemorar uma vitória, ainda por cima por aqueles números. Mas não para o Borussem, o museu do B. Dortmund, que organizou o evento e anunciou a presença de Eusébio, «o ícone do futebol português», como a grande figura de cartaz e ponto alto da noite saudosista que decorreu no Signal Iduna Park. Mais estranho ainda porque Eusébio nem jogou nesse fatídico jogo de 4 de dezembro de 1963. O avançado tinha viajado com uma lesão no joelho e ainda fez um teste no dia de jogo, mas os primeiros passos no relvado do antigo Estádio Rote Erde, onde na véspera tinha caído um nevão, ditaram um parecer negativo. «O meu joelho lesionado não resistiu, tive de avisar o meu treinador que não estava preparado», contou Eusébio perante uma plateia ávida de recuperar todos os fragmentos da memória de um jogo que faz parte dos grandes feitos do historial do Dortmund.



Estamos a falar do jogo da segunda mão da segunda eliminatória da antiga Taça dos Campeões Europeus de 1963/64. O Benfica bicampeão tinha perdido o título na final anterior, no Estádio de Wembley, diante do Milan (1-2). Na época de que falamos, a equipa treinada por Lajos Czeizler tinha passado a primeira eliminatória, diante dos norte-irlandeses do Lisburn, com relativa facilidade, com um empate no Windsor Park (3-3), com um golo de Eusébio, e uma goleada na Luz (5-0), com mais dois do Pantera Negra. Seguia-se o Dortmund.

No primeiro jogo com os alemães, no Estádio da Luz, o Benfica venceu por 2-1 numa noite inspirada de António Simões que marcou o primeiro, no início da segunda parte, e ofereceu o segundo a Eusébio, depois dos alemães terem empatado por Reinhold Wosab. Uma noite de sorte para a equipa germânica que, além dos dois golos encaixados, viu ainda quatro bolas serem devolvidas pelos ferros da baliza de Hans Tilkowski. O Benfica podia ter resolvida a eliminatória naquela noite, mas deixou tudo em aberto, para o jogo de Rote Erde, em Dortmund.



No segundo jogo, um mês depois, o tal que dá origem a esta história, a 4 de dezembro de 1963, o Benfica, sem o Pantera Negra, foi ao fundo. Como nunca tinha ido antes. A equipa da Luz estava na moda e, nesse mês de intervalo, não parou de jogar, respondendo a todas as solicitações para jogos particulares que acabaram por ter custos elevados. Além de Eusébio, Costa Pereira, Germano e Raúl Machado também ficaram impedidos de entrar no onze de Czeizler devido a problemas físicos. Além disso, o relvado do Rote Erde estava extremamente escorregadio devido ao nevão da véspera e, ao contrário dos alemães, equipados com um novo modelo da Puma, o Benfica não tinha botas especiais para aquele tipo de terreno.

Com os encarnados a deslizarem como se estivessem num ringue de patinagem artística, os alemães viraram a eliminatória com três golos de rajada na primeira parte, entre os minutos 33 e 36. Timo Konietzka abriu o marcador (33m), Franz Brungs fez um «hat-trick» (35, 36 e 47m) antes de Reinhold Wosab (58m) fechar o resultado com o redondo de 5-0. Depois de duas Taças e uma final perdida, o Benfica caía com estrondo na Europa. As botas pumas seriam oferecidas no final do jogo, mas já de nada serviram à destroçada equipa de Lajos Czeizler que acabaria por deixar o clube logo a seguir.



No final do jogo, um invasão de campo, com os jogadores do Dortmund a saírem em ombros. Eusébio arranca lágrimas na sala com as suas palavras traduzidas de português para alemão. «O Borussia Dortmund mereceu ganhar. Eles invadiram, invadiram e atacavam novamente», recordou o Pantera Negra, fazendo um paralelo com a atual equipa de Jürgen Klopp. «Uma grande equipe que, quer seja em casa quer fora, dá sempre tudo», acrescentou.



Não foi a maior vitória do Dortmund na Taça dos Campeões. Em 1956 tinham também goleado o Spora do Luxemburgo por 7-0. Mas desta vez tinha sido sobre o Benfica bicampeão europeu, na altura um dos clubes mais temidos da Europa. No dia seguinte os jornais multiplicaram em louvores que, cinquenta anos depois, o Dortmund procurou recuperar com a transmissão de imagens que saíram na imprensa em 1963. Enquanto Eusébio apresentava o seu testemunho iam também passando imagens do jogo num ecrã gigante e muitos dos presentes não conseguiram conter as lágrimas. Franz Brungs, o autor do «hat-trick», foi um deles. No final, uma interminável salva de palmas para Eusébio.



Mais do que as memórias, Eusébio levou consigo uma réplica da camisola que o Benfica vestia em 1963 que vai ter lugar especial no Borussem, no local reservado a este histórico jogo. Mas mais do que a camisola, muitos dos presentes quiseram guardar um testemunho pessoal e multiplicaram-se os pedidos de autógrafos e poses para a fotografia junto ao craque português, uma lenda viva que testemunhou o feito do Dortmund de 1963. Sempre sorridente, Eusébio, agora com 71 anos, revelou ainda que não guardou qualquer mácula pelo pesado desaire. «Ganhei muita coisa no Benfica, fui duas vezes campeão da Europa, mas também foi com o Benfica que aprendi a perder com dignidade», contou ainda.



Na temporada de 1963/64, ano em que o Sporting ganhou a Taça das Taças, o Borussia Dortmund ainda chegou às meias-finais da Taça dos Campeões, depois de ultrapassar os checoslovacos do FK Dukla Dejvice, com uma vitória em casa (4-0) e uma derrota fora (1-3). Nas meias-finais, a equipa alemã acabou eliminada pelo Inter Milão (2-2 e 0-2) que acabaria por conquistar o título, no Ernst Happel, diante do Real Madrid (3-1).

Dois anos depois, o Dortmund venceu a Taça das Taças e, em 1996/97 acabaria por ganhar a Taça dos Campeões com Paulo Sousa na equipa. Na temporada passada, o Borussia voltou a viver momentos de glória até à final da Liga dos Campeões que acabou por perder, no Estádio de Wembley, diante do Bayern (1-2). Mas, no meio de todas estas façanhas, os 5-0 ao Benfica continuam a ser «o jogo do século» para os adeptos do Borussia Dortmund.