Leonardo Jardim tem surpreendido o futebol português pela sua postura em relação às equipas de arbitragem. Mesmo quando é prejudicado, o treinador do Sporting não se refugia nos erros alheios. Assim aconteceu recentemente no empate com o Rio Ave quando Carlos Xistra não assinalou uma grande penalidade a favor dos leões.

O treinador madeirense deixou bem explícito no final do encontro que não iria usar esse mau juízo como desculpa para o resultado: «É hipocrisia falar de arbitragem. Vejo muita gente que só fala quando só tem razão e quando é prejudicado nada diz».

Mas nem sempre foi assim. É certo que Jardim tem vindo a cultivar esta atitude de não comentário à atuação dos árbitros. Foi assim desde os tempos da Camacha (diziam recorrentemente que deixava as análises para os jornalistas), também no Sp. Braga e ainda no Olympiakos. Mas houve um jogo quando treinava o Beira Mar em que não se conteve e criticou o árbitro, que nem por acaso até era Carlos Xistra.

Os aveirenses disputavam a II Liga na época 2009/10 e tinham a ambição de subirem de divisão. Leonardo era um jovem treinador muito ambicioso contratado ao Desportivo de Chaves e perdia contra o Oliveirense, um adversário direto na luta pelos primeiros lugares. À 20ª jornada, a derrota por 2-1 complicava as contas e Jardim não gostava do que via.

«Não é por termos uma comissão Administrativa em vez de uma direcção, não é por termos pessoas simples e trabalhadoras e humildes em vez de famosos e ricos, não é por não termos representatividade na Liga e candidatos à próxima eleição, nem sócios famosos como presidentes da Liga que o Beira-Mar deve ser desvalorizado. É um clube com história que merece outro tipo de respeito», disse na antevisão do jogo da jornada seguinte, com o Estoril.

Jardim tinha dito durante toda a época que não iria falar de arbitragens, mas naquele dia 25 de fevereiro de 2010 não conseguiu conter o impeto e deixou críticas indiretas ao que se tinha passado em Oliveira de Azemeis, onde pretensamente Hermínio Loureiro, então presidente da Liga e da câmara local, tinha estado junto ao balneário de Xistra: «No último jogo, o presidente da Liga esteve ali à frente dos balneários e criou um sentimento de nervosismo em toda a gente. Toda a gente teve atitudes pouco normais e isso não deve ser assim».

Numa declaração sem precedentes na sua carreira, o técnico madeirense apontou erros concretos. «Não tivemos nenhum penálti a favor que não seja, não marcámos golos irregulares e os nossos jogos têm transmissão televisiva. Não estou preocupado com os árbitros. Acredito no bom trabalho. Só estou a expressar um sentimento de ações reais que têm acontecido. O Beira-Mar na liderança provoca nervosismo mas até ao momento temos sido os melhores», frisou.

Hermínio Loureiro explica o seu lado da história, em reação ao Maisfutebol, passados que estão mais de três anos desta situação: «Foi um dia de muita chuva e por isso parei o carro no parque, Passei sem parar na zona dos balneários. A Direção do Beira-Mar na semana seguinte falou sobre a matéria para naturalmente desvalorizar. Nesse ano julgo mesmo que o Beira-Mar subiu de divisão. Não me lembro quem era o árbitro, pois nunca falei com eles em ambiente de jogo».

Uma forma diferente de estar no futebol

A polémica pára por aqui, até porque no fundo a declaração não fere ninguém. «Lembro-me que foi um jogo complicado e no primeiro golo empurraram o nosso guarda-redes para dentro da baliza. O Leonardo pode ter dito isso nesse dia, mas a postura dele em relação aos árbitros foi sempre absolutamente correta», assegura Carlos Pires, adjunto de Jardim durante seis anos.

Meio ano depois, já na I Liga, Leonardo voltava à postura original e afirmava-se como defensor do trabalho dos árbitros. «Eu acredito nos árbitros. Ainda no último jogo do Beira-Mar ouvi adeptos da minha equipa a queixarem-se do árbitro e fiquei triste com essa situação, porque considero que fez um excelente trabalho. Penso que os árbitros erram como qualquer outro elemento do futebol. Deixem os árbitros trabalhar porque fazem o melhor que sabem e que podem», disse na conferência de imprensa de antevisão do jogo com o Portimonense, em setembro de 2010.

Jardim é assim e a sua postura até já valeu o elogio recente do presidente da Associação de Árbitros de Futebol. «Daquilo que conheço do treinador do Sporting normalmente tem uma postura saudável, compreendendo que o erro existirá sempre dentro do futebol. Essa é a postura certa», disse José Fontelas Gomes depois do tal penálti não assinalado por Xistra no Sporting-Rio Ave.

Nem os jogadores podem protestar

Carlos Pires conhece bem a postura do colega madeirense. Responsável pelo treino dos guarda-redes, trabalhou com ele desde 2007, quando Leonardo deixou a ilha para trabalhar em Chaves, e com ele esteve no Beira Mar, no Sp. Braga e no Olympiakos.

«Ele sempre teve esta postura para com os árbitros. Passa por cima dessas situações porque só se preocupa com o seu trabalho. Essas situações passam-lhe completamente ao lado e não me recordo de nenhuma situação em que tenha criticado abertamente uma equipa de arbitragem depois de um jogo», contou ao Maisfutebol, explicando que «ao assumir esta atitude também está a proteger-se, pois não vai ser criticado mais tarde».

Claro que existem situações em que há razões de queixa, mas estas ficam no balneário. «Ele preocupa-se, acima de tudo, com o seu trabalho. Mesmo que depois dos jogos sinta que foi roubado não vem cá para fora dizê-lo. Ao longo dos anos em que trabalhámos juntos fomos prejudicados algumas vezes, mas ele não disse nada. Lembro-me, por exemplo, de quando estávamos no Braga e fomos muito prejudicados no Estádio da Luz, mas o Leonardo nada disse. É a postura dele», realça o atual treinador de guarda-redes do Chaves, acrescentando um pormenor:

«O Leonardo prepara muito bem a equipa e antes dos jogos chega a dizer aos jogadores que não quer que pressionem os árbitros. Ele era assim até ao ano passado e acho que não mudou. Na minha perspetiva é a postura certa a ter em campo e acho que os adeptos deviam ficar contentes por ele ser assim».