Desculpem lá incomodar a esta hora, há certamente muito material autárquico para ponderar, mas já repararam como cá no nosso burgo é cada vez mais difícil, fora dos grandes, associar um jogador a um só clube?

Nem digo um Hélio Sousa sadino desde o berço, um maritimista Briguel ou o pacense ad aeternum Adalberto. Esses são óbvios. Falo de um Bobó que será sempre Boavista mesmo tendo jogado no Estrela Amadora ou no V. Guimarães. De um Abílio, salgueirista para todos, mesmo vestindo à Belenenses ou pautando jogo em Campo Maior. Alguém recorda Miguel Serôdio vestido de xadrez? Farense, claro. E Basaúla o que é, se não, Vitória?

Ora, o que o futebol moderno também trouxe foi essa crescente perda de referências que alastra de cima a baixo e não deixa praticamente ninguém de fora. Ano após ano entram às dezenas, saem às dezenas. Se escapam num ano, haverão de mudar no outro. Ou no seguinte. Tudo é a prazo e quando os adeptos se dão conta, muitas vezes, há muito pouco onde se agarrar.

Neste carrossel ganham os clubes, pelo merchandising rotativo; ganham os empresários, pelas famosas comissões. Ganham (alguns) jogadores, pela experiência acumulada. Perdem aqueles que nunca, sob condição alguma, partem: vocês que, desculpem dizer isto de forma seca, só pagam uns bilhetes, apoiam e amam por uma vida.

Foi por isso que não estranhei, no último domingo, na Vila das Aves, ver um grupo local cantar a plenos pulmões numa mensagem para Ricardo Soares, após o jogo: «Mete o Guedes, allez».

Guedes é Alexandre Guedes. Um jovem avançado nascido em Gaia, formado no Sporting e avense há apenas três anos. Descontando Quim, Guedes é aquilo que mais de perto aqueles adeptos têm de uma referência. Alguém para seguir, admirar. Alguém com tempo e provas dadas...naquele clube.

O plantel do Desp. Aves é, sejamos sinceros, bastante interessante. Mas é incrivelmente fresco. Não há treinador que consiga, tão rapidamente, forjar rotinas, tricotar um esquema, assentar uma ideia quando é quase tudo novo. Como pensar só no caminho para o golo se ainda nem se sabe bem de cor o caminho para o estádio?

Alexandre Guedes, o tal que os adeptos queriam (fosse pelo estatuto ou, simplesmente, por ser avançado), começou a época a ser o intruso entre as novidades no onze. Hoje esse papel é desempenhado por Quim. A verdade é que, seja como for, é o novo que manda nas Aves e, como disse recentemente Luís Castro, quando as coisas não correm bem, o futebol tem uma forma muito simples de resolver a questão: sai o treinador.

Com Quim em final de carreira, aos adeptos restará Alexandre Guedes e pouco mais. Se não se mudar, também. Porque o futebol não está para que daqui por dez anos se fale do Guedes do Aves como se falava do Constantino do Leça ou do Dino do Beira-Mar.

E na hora de cantar por um ídolo, aquelas vozes vão olhar para o lado e procurar alguém. Alguma amarra, alguma réstia de esperança. Em vez disso, terá um grupo de jogadores. Bons, aliás. Certamente a dar tudo o que têm por aquela camisola.

Mas como antes por outra e no futuro pela que vier.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.