F.C. Porto-Celtic, Estádio Olímpico de Sevilha, 1-1 no marcador. Deco ganha a bola junto à área dos escoceses, tira logo um adversário do caminho, aproxima-se e vê o que poucos, mesmo os que viam pela televisão, conseguiram no momento: Alenitchev a desmarcar-se na esquerda. Bola por entre os pobres escoceses e o russo faz o resto. 2-1.

Lyon-F.C. Porto, Stade de Gerland, 0-0 no marcador. Deco flecte da esquerda para o meio. Todos esperam o passe para McCarthy. Deco vê mais além. A bola passa o sul-africano e encontra Maniche, subitamente aparecido na direita. 0-1.

Como é que ele viu isto? Como é que ele fez isto? Como é que ele inventou isto?

É o Deco. A resposta é seca, mas justifica melhor do que qualquer palavreado técnico-táctico que só tira ao futebol aquilo que ele tem de mais belo: a inspiração. Deco podia ser sinónimo disso mesmo. Seja no modesto Vidal Pinheiro, no mítico Estádio das Antes ou no engalanado Camp Nou. Deco é inspiração. Um toque de Midas num tosco calhau.

O futebol sem Deco vai ficar mais cinzento. Como um passe para o lado com dois homens a correr na frente. Como se um qualquer petiz tivesse um livro para colorir e apenas usasse o preto e branco. Talvez por isso ninguém diz que Deco não sabe jogar mal. Salvo honrosas excepções, os jogadores que não sabem jogar mal, também não brilham como Deco brilhava. São competentes, mas não são estrelas. Deco sempre foi estrela. De tamanho tão grande que a camisola 10 sempre lhe ficou curta. Por isso deixou-a para trás e adoptou a 20. Deco era um 10 a dobrar.

Sempre se questionou as suas oscilações de forma e sempre houve uma resposta cabal. Em Sevilha, em Gelsenkirchen ou em Paris, nos títulos europeus que coleccionou. No Europeu ou no Mundial. Deco era indiferente a palcos. A inspiração é assim, aparece quando menos se espera. De Deco todos esperavam que aparecesse sempre.

Sevilha. Lyon. Poderia acrescentar-se Marselha, na assistência para Alenitchev matar o jogo da Champions de 2004 (0min43). Ou um célebre golo ao Marítimo depois de atar os rins a quem lhe surgiu pelo caminho, no velhinho Estádio das Antas (4min10). Qualquer um deles poderá ser um «momento Deco». Nenhum deles é o meu «momento Deco».

Se tiver de escolher um lance que resume o que Deco foi e é no futebol, não hesito: a jogada do terceiro golo do Belenenses-F.C. Porto de 2002/03 (4min53). Deco inventou o golo e, como em tantas outras vezes, mas não o marcou. Deu-o a Alenitchev, que atirou certeiro mas não festejou. O momento era do menino Deco, já aos saltos com mais uma brilhante investida. Alenitchev apontou-lhe os holofotes. Deco brincou com eles. Só de sorriso na cara se pode aceitar a ousadia de ser declarado melhor que o Pelé...

Recorde tudo e escolha o seu «momento Deco»: