Conhecemo-nos no dia 2 de Junho de 1986.

Ele no Estádio Olímpico da Cidade do México; eu na casa bafienta de um vizinho do meu avô. Ele a gingar entre coreanos atordoados; eu refastelado na ignorância dos verdes anos. Ele a ser massacrado uma e outra vez por pura maldade; eu a perguntar o nome dele. Ele a tocar na bola como quem acaricia um corpo sagrado; eu a levantar-me e a gritar Maradona!

Voltei a encontrá-lo na televisão uma e outra vez. Suguei informações à paciência do meu pai e percebi que lhe chamavam D10S. Nesse Verão inclemente vi-o a marcar o melhor golo de sempre. A arrancar subtil, apoiado na elegância de um corpo sem graça. A passar por um, outro e outro mais. E lá foi mais um.

Imitei-o desajeitadamente sobre paralelos irregulares. Exigi um número DEZ cozido a uma camisola deslavada. Colei posters gastos pelo tempo, recolhi fotos de revistas e jornais. Troquei de religião: passei de católico praticante por obrigação a maradoniano por devoção.

Fechei os olhos ao vê-lo entrar numa espiral de buracos negros. Acreditei tantas e tantas vezes na recuperação do Homem. Aplaudi-o no Mundial de 2010. Torci secretamente pela vitória da Argentina.

Ele metido num fato e desfeito em suor; eu a sofrer em silêncio no sofá. Ele a esbracejar de olhar perdido e escondido atrás de uma barba anacrónica; eu a pedir que o jogo termine depressa e que lhe acabem com o sofrimento. Ele goleado pela Mannschaft estraga-prazeres; eu abraçado a memórias com 24 anos.

Vimo-nos pela última vez no dia 3 de Julho de 2010.

Já tenho saudades. Tenho a certeza que ele também.

O «meu» Maradona massacrado em 1986: