O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer», Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane.

A pior coisa que pode acontecer em qualquer bar, em qualquer gin joint de uma qualquer cidade do mundo, para dar um toque de Bogart, é uma confusão entre clientes. Pancada mesmo, forte e feia, com cadeiras a voar, vidros partidos e tudo a acabar na esquadra, com o pub fechado pela polícia. Estou a pensar no Manchester United-Arsenal. Joga-se um neste domingo. Esta é a rivalidade do soco e do pontapé na Premier League. Pena que lhe tenham metido gelo, que seja on the rocks.

Desta vez, não falo para ninguém. Estou bem mais interessado no dérbi de Lisboa do que em falar sobre o encontro de Old Trafford. Mas é impossível não pensar nele. E chegar à conclusão de que como ele é diferente de um Benfica-Sporting. Os dois de Lisboa cresceram lado a lado, puxaram um pelo outro. Para resumir, nuns momentos estiveram mais próximos, noutros mais longe, umas vezes em paz, noutras em guerra. Sempre com paixão. Um Manchester United-Arsenal não tem nada a ver com isto.

O Liverpool FC esteve sempre pelo meio. Os reds eram alvo a abater de Arsenal e United. Por isso, gunners e red devils iam lado a lado na mesma estrada. Uma condução perigosa, que resultou num choque tremendo em 1990 e numa série de cadeiras a voar e vidros partidos nos relvados de Highbury e Old Trafford durante duas décadas.

20 de outubro de 1990. Old Trafford. Marquem data e local . Neste dia, naquele estádio, nasceu uma rivalidade.

O United já era de Alex Ferguson. Wenger treinava o Mónaco, no banco dos londrinos estava George Graham. O Arsenal perseguia o Liverpool, líder. O United fazia pela vida [acabaria a época em sexto e com a Taça das Taças]. Um golo suspeito de Anders Limpar aqueceu o jogo e o sangue no United. Na segunda parte, Nigel Winterburn entrou sobre Dennis Irwin.

Foi mais ou menos como entornar a bebida de um tipo maldisposto e mal acompanhado num bar. E nem ter tempo para pedir desculpa. Brian McLair estava ao lado e desatou ao pontapé a Winterburn. Irwin fez o mesmo. Gerou-se uma confusão nunca antes vista entre Manchester United e Arsenal.



21 dos 22 jogadores em campo envolveram-se. Houve empurrões, murros e chutos. Durante dias falou-se no caso. Bolas, pensa-se nisso ainda hoje. A federação resolveu a coisa: retirou um ponto ao United e dois ao Arsenal. Ironia suprema, os londrinos viriam a ser campeões na mesma e fizeram a festa em Highbury frente aos red devils. Vitória por 3-1.

Seguiram-se vários episódios, seguiu-se Arsène Wenger. O francês andou ao soco e pontapé verbal com Alex Ferguson. Já Patrick Vieira e Roy Keane dispensaram palavras. Os dois capitães elevaram a «pancadaria» para outro nível, fizeram de estádios arenas de boxe, do túnel dos balneários a pesagem dos pugilistas, com bocas a incendiar o combate. Em 2005, o Manchester United-Arsenal começava antes do apito inicial.



José Mourinho chegou em 2004. Ferguson e Wenger, United e Arsenal ganharam um rival. As coisas acalmaram um pouco entre Islington e Sir Matt Busby Way. A rivalidade persiste, mesmo com o escocês a ver agora do camarote. E é certo que uma rivalidade não deve ser o que está escrito no último parágrafo deste texto que li no Maisfutebol. Mas também acho que temos de aceitar que Keanes e Vieiras existem. Porque o desporto em geral, e o futebol em particular, não pode ser apenas feito de tipos politicamente corretos como um Iniesta ou um Kaká. Necessita destes rebeldes da rua, de tipos de cara suja, para citar Klopp.

Paga-se muito para ver dois homens ao murro num ringue de boxe. E aceitamos isso, desde que a luta seja contida pelas cordas.

Eu pagava para que o Manchester United-Arsenal de domingo tivesse o irlandês e o francês em campo.

Ou então, que os dois viessem cá ver o jogo domingo. Eu próprio afastava as cadeiras...

«O meu pub em Hammersmith» é um espaço do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter