«O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer», Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane.

É uma frase batida, mas...de onde eu venho, diz-se que os homens não se medem aos palmos. De onde eu venho, isso é uma verdade absoluta. Porque de onde eu venho, eles medem-se nos litros de cerveja que conseguem ingerir.

O Tony, por exemplo, é capaz de ingerir vários. É capaz de passar uma tarde inteira sentado aqui no bar. A beber. E a rir. Sempre acompanhado. Quando nos rimos com alguém, o que está na mesa é secundário. É como os jantares de amigos. A comida é o menos importante. É pretexto apenas. Relevante é sorrir com eles. Se for sorrir à gargalhada melhor. Mesmo que alguém tenha de ser humilhado para isso.

O Tony é enorme. Em tamanho mesmo. Tão grande que quando chega vamos aos pares para lhe dar um abraço. É tão grande como o sorriso do Gaúcho, por exemplo. E a pança do Tony está para ele como os dentes estão para a cara de Ronaldinho. São indisfarçáveis. São o que os marca. Torna-os distintos entre nós. Isso e o sorriso.

Para o Tony estar entre amigos a beber um copo é alegria. Não é forçado, não é requisito social. É como o Gaúcho em campo. Estar apenas ali, com uma simples bola, é ser feliz, no fundo. Claro que há vontade de ganhar. Seja no relvado ou a jogar à moedinha.

Mas sem forçar ou fazer cara feia. E é isso que distingue o Gaúcho entre os grandes do futebol.

Ora veja o video:

Viu? Veja de novo, é melhor.

Agora imagine que a bola chegava aos pés de Messi. Ou Cristiano Ronaldo. Percebeu o espaço que ali há? Ronaldinho esperou. O argentino ou o português arrancavam para a baliza certamente. Mas o Gaúcho esperou! Recebeu, deu uma habilidade, esperou... e depois fez uma sacanice. Para nos rirmos e sorrirmos com ele. Porque tinha de ser. Porque ele tinha de fazer aquilo para se sentir completo. Realizado. Porque se não o fizesse, não era ele.

De onde eu venho, os homens não se medem aos palmos. De onde Ronaldinho vem os homens não se medem em Bolas de Ouro, felizmente. Não vai ficar para a história como o maior de sempre. E ele importar-se-á com isso?

Na minha terra, os homens medem-se pelos litros de cerveja que ingerem. Não sou recordista. Nem quero ser. A mim basta-me que, quando for para beber um copo, lá esteja o Tony. No mesmo sítio de sempre. A fazer-me sorrir.

Como Ronaldinho em campo, seja no Barcelona ou na competição mais absurda que o futebol já viu. Seja apenas na minha memória.

Recordarei Messi e Cristiano pelos números, pelos recordes, pelas Bolas de Ouro, por tudo aquilo que jogam evidentemente. Lembrar-me-ei de Ronaldinho pelo modo como me surpreendia até no final da carreira. Como era inesperado. Como foi o verdadeiro artista da bola, muito mais que outros. E fazia-me sorrir. Isso chega-me. Creio que a ele também. Porque a ele bastar-lhe-á saber que atingiu muitas vezes esta glória.

Recordarei Ronaldinho não pelas vitórias, nem o Tony pelos litros de álcool bebidos. Recordá-los-ei por uma felicidade simples que me proporcionam,

E, por isso, enquanto for vivo, posso garantir: «
You’ll never drink alone, Tony, you’ll never smile alone, Ronaldinho.»
 
«O meu pub em Hammersmith» é um espaço fictício e de opinião do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter