O meu pub em Hammersmith». A esta zona da cosmopolita Londres chega gente de todo o mundo. Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis, Fórmula 1, o que for. Depende de quem passa pela porta. O consumo é obrigatório e as bebidas nunca são por conta da casa. Aqui também se pode falar da NFL, mas se alguma vez se proferir a palavra «soccer» fica o aviso: Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane. Cuidado...

«Eu vou para o meio da claque apenas por uma coisa. Porque procuro emoções. É isso que que busco quando vou ao futebol. Ainda bem que tenho box em casa, porque só depois é que consigo perceber o que foi realmente o jogo em si.»

Estávamos por cá a beber uns copos entre amigos quando o testemunho do Francisco me recordou uma dúvida que sempre tive. Afastei o pensamento da discussão da vida e ações das claques, de ver jogos em pé, do efeito da pirotecnia e das suas consequências. A dúvida que sempre tive consumiu-me por completo.

«Como raio pode alguém viver sem nunca ter gritado um golo na vida? Uma pessoa que nunca cerrou os punhos, encheu os pulmões, abriu a goela e deitou pela boca toda a fúria de um vulcão? A sério, como é que alguém pode andar pelo mundo sem nunca ter gritado um golo? Não sabe o que é a vida condensada num breve momento? O nirvana? Estará, sequer, viva?»

Eu sei que quem não gosta não entende que o futebol é o maior espelho que temos da vida e dessa coisa definitiva que ela traz sempre pela mão: a morte. Uma baliza de um lado, onde mora a alegria, o êxtase; uma baliza do outro, casa da tristeza e depressão. Os dois lados de uma final, enfim, na qual se cruza um casamento e um funeral, como definiu Valdano. 

Mas é mais do que isso. Onde, por exemplo, é que vocês já viram solidariedade genuína e tamanha distribuição da mágoa num pequeno gesto? Maior do que aqui, em 2004, depois de um dos maiores atentados terroristas da história mundial?



É, porém, mais fácil encontrar nos episódios da vida a tristeza e a depressão de uma derrota, de um golo sofrido que nos amputa por dentro. Já encontrar algo que se assemelhe a um golo gritado não existe. Repito, não existe! Nem o nascimento de um filho. Nem o dia do casamento. Nem o dia do divórcio, já agora. Talvez alguma música crie esse efeito. Mas não é igual.

O melhor é Tardelli explicar. Porque nunca houve nada maior no futebol mundial do que o grito do italiano no Espanha 82.



Tardelli disse um dia que o grito nasceu com ele. E ele acumulou-o toda a vida. Porque o grito alimentou-se do sonho de miúdo. Do sonho de jogar um Mundial. De chegar à final. De vencê-la. Alimentou-se de amor pelo jogo, paixão pelo clube e patriotismo por Itália.

Houve um dia em que nós deixámos de ter idade para sonhar com golos em campo. Passámos para as bancadas e o sonho passou a ser outro: apenas gritar como Tardelli. Expelir amor, ódio, ira, paixão pela boca.

Confessem-se os portistas: alguma vez se sentiram mais vivos do que no golo de Kelvin? Ou os sportinguistas, como naquele de Miguel Garcia em Alkmaar? Ou os do Benfica, no golo de Luisão no dérbi 2004/05 na Luz? Ou todos esses como nos penáltis do Portugal- Inglaterra do Euro 2004?

Agora imaginem-vos sem tudo isso. Imaginem, por exemplo, estar sem essas emoções, nem que seja a de uma bola que bate na barra. Imaginem estar sem gritar um golo um ano inteiro da vossa miserável vida.

Pois…miserável seria, miserável será.

Shankly já dizia: «Algumas pessoas acham que o futebol é um assunto de vida ou de morte. Fico desiludido com essa atitude. Posso garantir-vos que o futebol é muito, mas muito mais importante do que isso.»

Miseráveis vidas que o não percebem...