«Lembro-me perfeitamente de algumas jogadas, de algumas jogadas que, naquela altura, me fizeram sorrir dentro de campo, como algumas com o Saviola. Jogadas em que no campo pensei: “Que maravilha.” Quem tiver visto isto não sentiu metade da alegria que eu senti, porque foi a mim que mais gosto deu naquele momento. Mas saliento algumas jogadas, sobretudo com o Javier, jogadas em que vimos exatamente o mesmo lance, sem falar. Essa ligação deu-me um grande gozo, dá-me muito gosto no futebol.»

Não Pablo, não é verdade.

Porque nós que tivemos de resignar-nos à condição da bancada aprendemos a sentir a mesma alegria. Porque, é preciso admiti-lo, somos todos sonhadores frustrados. Porque fomos nós que sonhámos acordados durante anos, com o impossível. Primeiro estávamos em campo, depois, com a idade e já donos de um qualquer bar porque não conseguimos ser outra coisa, treinadores.

Por isso, tivemos de aprender a reviver o futebol. A vivê-lo da bancada como se estivéssemos lá dentro, a gritar golos como se fossem nossos. A rematar o ar com a cabeça e com os pés, em gestos que queríamos feitos em campo. Enfim, a sentir a mesma alegria quando pensamos o mesmo que o homem que leva a bola no relvado. A mesma alegria sentida? Acredita que é possível. Talvez um dia o percebas. Mas que esse dia seja tarde, porque ainda é cedo para voltares para a lâmpada que te pariu.

«Acho que nenhum de nós, a quem, em algum momento, disseram que podíamos ser o sucessor de Maradona, levou isso em conta, se sentiu pressionado por isso, pois é algo impossível. Não apenas pelo que ele foi dentro de campo. Acho que Maradona é o que é, ou foi o que foi, como jogador também devido àquilo que é fora de campo.»

Sim Pablo, é verdade. E que nenhum 10 em Nuñez, Valência, Saragoça ou Lisboa sinta a pressão de ser como tu. Houve a rabona de Guimarães, houve o golo ao Paços de Ferreira em dia de Maradona, houve este momento em Saragoça…



…e tantos outros em Valência e Buenos Aires:



Mas é o teu pensamento como futebolista que é inigualável. Quantas vezes tomaste em campo a melhor decisão? Deste indicações a quem não as sabia tomar, mesmo em recorridas memorables com a bola colada ao pé? O teu pensamento em campo é uma instituição. É de melhor do mundo. E as tuas palavras fora dele exemplares. Hoje, não vejo por cá ninguém como tu. Havia Lucho, outro que reunia consensos, mas esse também partiu.

Chegam notícias da Malásia. De mais lesões, de que pode estar a chegar ao fim uma carreira enorme. Que podia ter sido ainda maior, tivesses aterrado em Madrid ou Barcelona em vez de Valência…



Um jogo mais, Pablo. Pede, implora ao teu corpo. Um jogo mais. Porque se Maradona se vai sentir futebolista a vida toda, a nós resta-nos a eternidade da bancada. E se para ele a prenda perfeita era disputar mais uma partida, para nós seria vê-la. Dele, como de tantos outros, já não é possível. Mas antes que voltes para a lâmpada que te pariu, joga mais uma. Pede ao teu corpo, implora. Para a vermos, nós, sonhadores frustrados, donos de um bar porque não conseguimos ser outra coisa qualquer.

 
 
O meu pub em Hammersmith» é um espaço fictício e de opinião do jornalista Luís Pedro Ferreira. Pode segui-lo no Twitter.