Para a Disney o rato mais famoso da história dos desenhos animados pode ter já 85 anos, mas para o futebol português a idade de «Mickey» é 70 anos. E para assinalar essa data, comemorada no passado dia 14 de dezembro, António Simões fez aquilo que já fazia nos tempos de jogador: serviu outros.

Desafiado pelo amigo João Malheiro, cuja mãe também se empolgava com o
«pequenino das fintas», o antigo jogador decidiu escrever um livro, no qual fala sobre algumas das personalidades que conheceu ao longo de muitos anos de dedicação ao futebol, no papel de jogador, treinador e dirigente. A obra tem quase centena e meia de páginas, mas em apenas cinco delas o mais jovem campeão europeu da história fala de si.



«O meu perfil foi um pouco servir os outros , passar a bola, criar condições para que Eusébio, Torres e companhia fizessem golos. Há aí uma raíz muito profunda que vem do jogo e que se transporta para a pessoa», explicou o autor esta terça-feira, na apresentação da obra, cujas receitas vão reverter a favor da Fundação Benfica.

António Simões quis aproveitar a oportunidade para fazer justiça a outras figuras do futebol. «Isto não tem a ver comigo. Sou um homem conhecido e reconhecido. Não tenho necessidade de escrever sobre mim. Felizmente houve muita gente que o fez, ao longo da minha vida. E bem. Estou feliz com o meu trajeto, mas chegou o momento de falar sobre outros. Sobretudo alguns que não são muito conhecidos e que nunca foram reconhecidos. Tive colegas bicampeões europeus que até hoje não foram devidamente reconhecidos», lamentou.

E por isso António Simões decidiu escrever sobre eles. Mas também sobre Cristiano Ronaldo ou José Mourinho, Pelé ou Beckenbauer, entre muitos outros.
Eusébio, claro, que marcou presença. Ou Humberto Coelho. «O António Simões representa parte da minha vida. Fez parte da minha vida profissional e pessoalmente. Quando cheguei ao Benfica era ele o grande capitão, juntamente com o Coluna. Aprendi o que era o Benfica, o que era ganhar. Tenho recordações fantásticas. Foi um dos melhores dribladores que vi jogar, e era um exemplo também fora do campo», recordou o agora vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol.

Só que por muito que Simões tenha este vício de promover outros, na apresentação do livro a estrela tinha de ser ele. Teve até mensagens de Joseph Blatter, Michel Platini e Sven-Goran Eriksson. E que lugar mais adequado do que o Museu Cosme Damião? «O Benfica só pode estar grato a alguém que ajudou a escrever desta forma a história do clube», disse Luís Filipe Vieira, sobrinho por afinidade de Simões (por ser casado com uma sobrinha do ex-jogador), e promotor da sua entrada no Benfica, na presidência de Manuel Vilarinho.

O atual líder do Benfica falou ainda de Simões como alguém que esteve «sempre à frente do seu tempo». Aos 18 anos já tinha sido campeão nacional e europeu. O mais jovem de sempre campeão europeu, estatuto que conserva até hoje.


Os milhões que valeria hoje

António Simões que chegou ao Benfica quando tinha apenas 15 anos, já depois de ter estado a treinar no Belenenses e no Sporting. Foi contratado ao Almada por 40 contos. «Na altura era dinheiro, comprava-se muita coisa. O salário era um conto e tal, e as pessoas viviam bem. E só trabalhava o homem. Hoje trabalha o homem, trabalha a mulher, trabalha toda a gente, e mesmo assim andam todos aflitos. Alguma coisa está mal», disse o antigo jogador.

Simões sempre teve «uma visão social e política», como destacou também Luís Filipe Vieira. Malheiro até comentou que o amigo, se não tivesse sido a carreira no futebol, «tinha tirado um curso com uma perna atrás das costas». Na década de 70 teve papel fulcral na criação do Sindicato de Jogadores, e depois foi mesmo eleito deputado. Foi na altura em que se fixou nos Estados Unidos, depois de uma época no Estoril, onde foi colega de Fernando Santos.

«Tive o prazer de partilhar o balneário da antiga Luz com ele, quando subi aos seniores, e depois também no Estoril. Temos uma longa amizade. Ele, Eusébio, Águas, Germano e Costa Pereira eram os meus ídolos, quando comecei a ir ao estádio», recordou o selecionador da Grécia.

A apresentação do livro de António Simões conseguiu, de resto, reunir os três treinadores portugueses que vão estar no Mundial2014. Paulo Bento fez questão de homenagear «uma das grandes figuras do futebol português», tal como Carlos Queiroz, com quem Simões colabora atualmente, na federação do Irão.

Foi em Teerão, de resto, e «nas costas de Queiroz», que o antigo capitão do Benfica arranjou tempo para escrever o livro. O selecionador do Irão assumiu «profunda admiração e respeito» pelo amigo, que colocava nas suas equipas de caricas da infância.


Mas se António Simões custou
40 contos em 1959, quanto custaria hoje em dia? Queiroz não avança com um valor exato, mas diz que estaria «seguramente no patamar das transferências mais caras». «Era genial», acrescentou.

António Simões também prefere não se comprometer com uma verba, mas deixa uma pista curiosa: «Não faço ideia, mas no livro escrevo que se tivesse agora 20 anos não teria 1,66 metros. Teria 1,85m. A partir daí façam as contas.»

O antigo jogador diz que atualmente não vê ninguém parecido consigo, mas recorda que Simão Sabrosa foi quem, de águia ao peito, mais recordou os seus tempos de jogador. «No meu tempo o mais parecido era Jacinto João. Simplesmente extraordinário», afirmou.

No livro António Simões faz esse exercício de imaginar como seria se jogasse agora. Perspetiva-se «mais rápido», «mais resistente», «muito mais forte e sobretudo muito melhor atleta». «Não sei se foi um dos melhores mas sinto que não pertenci apenas a uma época», escreve.

Mas quem o viu jogar terá poucas dúvidas. Simões foi mesmo um dos melhores. E para quem não viu bastam os factos, ou não continuasse a ser o mais jovem campeão europeu de sempre. Em Portugal o «Mickey» tem 70 anos, e foi um dos melhores jogadores.

«Na altura havia essa figura do Walt Disney, e um jornalista escreveu esse título. Achei graça e ainda hoje faz sentido, pois não cresci muito. Tinha aquela inclinação do corpo, era muito rápido e ia direito ao defesa para o driblar. Foi uma definição engraçada que eu fiquei. Não fiquei nada ofendido e ficou para a história», recorda o próprio Simões, com lugar reservado no «Hall of Fame» do futebol português.