Motivos de força maior impediram-me de ver o Mundial 74. Também não guardo boas recordações do Mundial 78, tinha seis meses de vida e a vista desfocada. Por isso só descobri a Holanda em 88. O que acabou por ser um acaso feliz. O meu pai comprara uma televisão a cores entretanto e descobrir a Holanda numa televisão a cores faz toda a diferença.

Descobri a Holanda em 88 e apaixonei-me por ela em 98. Do Mundial de França guardo uma selecção que caiu injustamente nas meias-finais, nas grandes penalidades, perante o Brasil de um Ronaldo que então sim era fenómeno. Do princípio ao fim torci por aquela Holanda de traços verdadeiramente coloridos, presos na rigidez de Guus Hiddink.

No jornal lia diariamente que era uma selecção em estado de sítio, capaz de entrar em guerra a todo o instante. Falava-se em divisão do grupo e em convivências difíceis. Os loiros, descendentes dos colonos da metrópole, contra os negros, descendentes dos colonizados do Suriname. Os treinos, dizia a imprensa, faziam lembrar a Guerra Fria.

Eu só assistia aos jogos, e duvidava daqueles relatos. Durante os festejos da passagem às meias-finais vi Bogarde afastar Van der Saar do grupo do Suriname com uma cotovelada nos dentes e tornei-me menos céptico. Mas continuei a torcer por aquela selecção que tinha tudo o que o futebol merece, sem ter um grande nome a suportá-la.

Sim, tinha Seedorf. Sim, tinha Davids. Sim, tinha Bergkamp. Sim, tinha Overmars. Mas nenhum deles era um Van Basten, um Gullit ou um Koeman. Eram apenas onze bons jogadores que formavam uma grande selecção. Jogavam num 4x4x2 muito rígido e dentro de campo eram uma enxurrada de futebol ofensivo, criatividade e sentido táctico.

Raramente se via um holandês sair da sua posição. O que é precisamente o oposto da ideia de futebol total de Rinus Michels, na qual qualquer jogador pode fazer qualquer posição desde que haja um colega para o compensar. Se existe porém um conceito vivo de Laranja Mecânica, era aquela selecção. E não é apenas pela violência nos treinos.

Há dias, ao ver o campeão do mundo ser esmagado em Berna, não pude deixar de me lembrar da Holanda de 98. Primeiro ri-me às gargalhadas, depois lembrei-me da Holanda de 98. As duas equipas não são iguais, mas ambas têm um futebol seguro, criativo e colorido. Sem um grande nome a suportá-las. Por isso, e na impossibilidade de ser Portugal, gostava de ver a Holanda atingir algo grande. Já vai para dez anos que o futebol lhe deve essa justiça.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreverá aqui todas as quintas-feiras