«Qual jogar bem? Há imensas maneiras de jogar bem! O mais difícil é ter um estilo próprio, e aí o Barcelona e a seleção espanhola têm confundido as pessoas, porque nem todas as equipas podem jogar da mesma forma. Real e Barcelona têm Ferraris, nós temos outro carro, precisamos de correr de outra forma»
Diego Simeone, em fevereiro de 2012, ao fim de dois meses como treinador do At. Madrid

Diz a lenda, perpetuada por jornalistas que acompanhavam o dia a dia do Atlético Madrid na década de 90, que na tarde de verão de 1997 em que foi confirmada a saída de Diego Simeone, rumo ao Inter, houve colegas a abrir champanhe no vestiário. Não porque «El Cholo», com os seus 12 golos em 37 jogos, não tivesse sido uma peça fundamental na equipa que, um ano antes, conquistou a primeira e única dobradinha do historial «colchonero». Mas sim porque o seu feitio agressivo e conflituoso não era, como às vezes acontece, uma máscara de tirar e pôr nos jogos - as fúrias de olhar gelado e pitons em riste tinham repercussões frequentes nos treinos, nas conversas de balneário e na estabilidade emocional de alguns companheiros mais frágeis.

É-me impossível não recordar essa história sempre que vejo jogar o At. Madrid nos últimos dois anos. E, principalmente, sempre que a câmara fixa Simeone na lateral, com o seu incontornável fato preto e a expressão tranquila de alguém que acabou de deixar uma cabeça de cavalo ensanguentada na cama do inimigo, a quem se prepara para fazer uma proposta irrecusável.

Sim, a metáfora é fácil, mas isso também faz parte do plano de «El Cholo». O tal estilo, de que falava à chegada, começou a construir-se com a imagem e a reputação do seu treinador, e só depois contagiou jogadores e adeptos, a golpes de talento, organização e fúrias de olhar gelado. Foi assim que do estilo se fez substância, a ponto de, hoje, ser difícil perceber por que razão a equipa não joga toda de fato preto e gravata. Quase tão difícil como acreditar que Diego Costa já jogava futebol antes de ser treinado por Simeone e não é um mero produto da imaginação maquiavélica do seu treinador.

Com o futebol europeu e mundial em pleno ciclo de domínio do tiki-taka e seus derivados – ao escolher Guardiola, mesmo o Bayern, que há um ano parecia sugerir caminhos novos, optou por um tiki-taken com aceleradores reforçados nas alas e Phillip Lahm como gerador de ideias - ninguém, nem mesmo o Real Madrid ou o Dortmund dos últimos anos, levou tão longe a aposta na diferença e no contraste de estilos como o Atleti desta temporada. Até porque a diferença de meios e orçamentos, resumida na metáfora dos Ferraris, proporciona a Simeone o álibi perfeito para se apresentar em público como um simples utilitário fabricado na Sicília.

Assim, esta quarta, no Vicente Calderón, há mais um «round», o quinto e penúltimo, entre o Ferrari do toca e foge e o falso utilitário, especializado em bloqueá-lo logo à saída do parque de estacionamento. Ninguém é obrigado a gostar do método, embora seja de bom tom a vénia a um trabalho bem feito. Depois, como sempre no futebol, vão ser os resultados a dizer quem guarda a razão. Mas, sejam quais forem os desfechos das campanhas «colchoneras» na Liga e na Champions, de uma coisa podemos estar certos: no dia em que Simeone voltar deixar o At. Madrid, desta vez, os únicos com motivo para fazer circular o champanhe serão os adversários.