Quase três meses depois de Salvador, de Manaus ou de Brasília, continuo a achar que, por entre as mil coisas de que foi acusado, o erro determinante de Paulo Bento na campanha do Mundial teve origem semelhante ao que Del Bosque cometeu com a Espanha. Resumidamente: levar longe de mais, ao ponto da estagnação, a lealdade ao grupo que lhe permitiu ter sucesso.

No caso espanhol, esse sucesso mediu-se na melhor sequência da história do futebol de seleções, com três títulos consecutivos (dois deles com o atual selecionador), que atenuaram o desaire brasileiro. No português, em dois apuramentos e uma meia-final que, na altura, superou as melhores expetativas. O saldo é obviamente mais escasso. O que, em conjugação com as críticas típicas de perfil clubista – que em Portugal continuam a ser a maioria – deixa o selecionador numa posição bem mais exposta.

Valha a verdade que Paulo Bento parece querer contribuir ativamente para essa exposição. Neste domingo, em Aveiro, por exemplo, havia mais coisas em causa, além da óbvia obrigação – assumida pelo próprio selecionador, na véspera – de ganhar e ser superior à Albânia.

Havia, por exemplo, a necessidade de mostrar que as consequências do fiasco no Brasil não se limitavam aos ajustes na estrutura – por mais válidos e necessários que estes se mostrassem. Havia a necessidade de ler os sinais de desgaste na relação da equipa com o público. E de atacar esse desgaste com outros sinais, por pequenos que fossem, que afastassem a ideia de estagnação. Uma necessidade tornada ainda mais evidente com a chamada, ditada pelas circunstâncias, mais do que por estratégia, de tantas caras novas numa convocatória alargada.

Neste início de ciclo, com o crédito diminuído pela imagem deixada no Brasil, a equipa de Portugal podia jogar bem, ou mal. Podia marcar muitos golos ou poucos, entusiasmar ou cumprir apenas os mínimos. Podia até, num cenário extremo, dar-se ao luxo de ser azarado e tropeçar na procura da vitória. Desde que essa procura traduzisse uma vontade de escrever novos capítulos nesta história. Só não podia – de todo! – deixar a ideia de que tudo continuava na mesma.

Mas foi isso que começou por acontecer, logo na escolha de um onze em que, à exceção da troca de Raul Meireles por André Gomes, tudo – em especial as apostas em João Pereira e Ricardo Costa, que nesta altura prolongam a tal lealdade ao passado acima de tudo - projetou a ideia de que não havia necessidade de mudar ou, pior ainda, que o selecionador não acreditava nas alternativas.   

Foi isso que continuou a acontecer ao longo de um jogo em que, apesar do claro ascendente, e da enxurrada de cruzamentos desencontrados do destinatário, Portugal teve bem menos aproximações com critério à área albanesa do que no empate de Braga há seis anos, em plena era Queiroz. E foi isso que aconteceu, por fim, nas declarações de circunstância, de técnico e jogadores, após a derrota, mantendo intacto o quadro de referências que lhe deu origem.

Em todas as organizações há um ponto – é difícil de detectá-lo e mais ainda agir em conformidade - em que as relações de lealdade e gratidão, essenciais à coesão do grupo, podem transformar-se num travão à natural e necessária evolução. O mais inquietante, no jogo de Aveiro, foi ver que esse travão se mantém ativado.

Dito isto, estou firmemente convencido de que Portugal vai estar na fase final, em França, e que Paulo Bento continua a ter meios e condições para levar essa caminhada até ao fim. Sim, mesmo com o pior arranque dos últimos 38 anos, e com o fantasma da viagem à Dinamarca, em outubro:  numa fase de apuramento que apura quase metade das equipas e em que a margem de erro é tão ampla,  o  mais preocupante não são as contas, nem o efeito da derrota. É, sim, a sensação de três meses perdidos, para se recomeçar a história exatamente no mesmo ponto onde a tínhamos deixado, em Brasília.