«O que é um bom atleta? É aquele que tem grandes registos ou o que mantém sempre a dignidade? Acho que um atleta deve manter a dignidade, isso é o mais importante.»

Sandro Freitas, jogador do Marítimo, apresentou esta tese desarmante para justificar o seu nobre gesto em Vila Praia de Âncora, na 1ª eliminatória da Taça de Portugal em Hóquei em Patins .

No fundo, esta é uma máxima transversal a todos os desportos e, diria, a todos os momentos da nossa vida.

Estas demonstrações de grandeza vão surgindo pontualmente, sem pré-aviso, mas deixaram-me a pensar: há quanto tempo não vejo semelhante atitude nos principais palcos do futebol português?

Recordo exemplos no hóquei em patins, no râguebi, no atletismo. Em quase todas as modalidades ditas amadoras.

Vou mais longe e começo a virar-me para o futebol. Perco-me em vídeos com momentos de Paolo Di Canio, Oliver Khan, Carles Puyol (um gigante neste capítulo) ou até de Breel Embolo, um miúdo de 18 anos que esqueceu o resultado e optou pela verdade num recente Basileia-Grasshoppers.



Lanço o desafio a si, caro leitor: lembra-se de algum gesto de enorme fair-play, em momentos decisivos, na Liga portuguesa? Um que seja?

É provável que recorde de imediato uma célebre frase de Jorge Jesus, a esse propósito, embora a mesma tenha sido retirada do contexto.

«O fair-play é uma treta».

Por essa altura, em janeiro de 2007, o treinador orientava o Belenenses e preparava-se para defrontar o Benfica. Jesus lançou a expressão entre um punhado de ideias fortes.

«Não jogamos com tretas, nem com manhas, nem temos jogadores mentirosos. Jogadores mentirosos são aqueles que caem constantemente no chão, quando nem há faltas, e que simulam penáltis. Não vou especificar nomes. O fair-play é tudo uma treta. Quando há situações, os árbitros têm de parar o jogo e não devem ser os jogadores a mandar a bola para fora.»

É curioso que, indo ao fundo desta ideia de Jorge Jesus, acabe por dar parcialmente razão ao técnico.

Atirar a bola para fora quando um adversário está lesionado parece-me um fair-play de grau menor. Assim como cumprimentar o rival antes e depois dos jogos, algo que é cultivado desde as camadas jovens. São apenas grãos de areia num deserto onde tudo o resto falta. Não chega para regressar a casa de consciência tranquila.

O que continuamos a ver nos relvados portugueses?

Jogadores a deixar-se levar pela tentação do penálti simulado com a baliza à sua mercê. A celebrar golos erradamente validados sem equacionar a reposição da verdade. A pedir constantemente sanções disciplinares para os seus adversários. A negar a pés juntos que tenha cometido uma falta nítida. Não faltam exemplos recentes de atitudes como estas.

Creio que infelizmente é um hábito fomentado pela cultura latina, a nossa histórica tendência para o jeitinho, o chico-espertismo, uma espécie de aceitável malandrice. E quem chega ao futebol luso embarca na corrente.

Sandro Freitas demonstrou ainda assim que o português é mais que isso, que nem sempre os meios justificam os fins. Haverá maior tolerância para o fair-play nas modalidades amadoras?

Não quero acreditar que assim seja. Anseio pelo dia em que um jogador de Benfica, FC Porto ou Sporting faça o mesmo e perceba que a maioria dos adeptos estará do seu lado, a aplaudir a decisão.

Nesse cenário idílico, em que esqueceríamos por momentos a doentia rivalidade no futebol português – alimentada por dirigentes e comentadores de ocasião -, a Liga conseguiria apresentar um vídeo como este, proveniente da Alemanha.

Será utópico esperar por algo assim?



Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)