MINDELO-Ver Portugal assim a perder frente à Inglaterra era uma coisa que causava engulhos e os olhos fixados na televisão mal escondiam a pergunta, vão perder por quantos, esses malandros? Eles que até tinham basofiado terem a vitória ao alcance dos seus pés! Será que vão repetir o desastre do Benfica frente aos celtas de Vigo, acabou perguntando alguém. 

O que mais custava era ver que estavam jogando francamente melhor que os ingleses e no entanto em apenas dois ataques esses tinham conseguido dois golos.  

Sónia contou-me que um bocadinho depois do segundo golo decidiu deixar o café Lisboa. E já estava no meio da rua quando ouviu aquele monumental berro de deitar a cidade abaixo, mas não voltou atrás, não acreditava que Portugal já fosse capaz de ganhar o jogo. Foi o golo do Figo, disse-lhe, ele apanhou a bola no meio campo, correu um bocado com ela e depois chutou, um verdadeiro tiro de canhão. A gente olha para o aspecto pesadão e desengonçado do rapaz e não acredita que possa ser um jogador tão extraordinário. Pesadão e desengonçado, estranha Sónia, um pedaço d¿homem daquele? E ainda por cima mete golos bonitos, acrescenta. 

A Ana pensa que sim, que Figo é daqueles homens em que qualquer mulher com olhos na cara tem necessáriamente que reparar, ele não passa desapercebido. Ao contrário da Sónia, a Ana não liga nenhuma ao futebol. Que loucura, diz como que surpresa, ficar à frente da televisão a ver homens grandes a correr atrás de uma bola como se fosse garotos. De modo que aproveitou a hora do jogo para ir ao mercado de peixe. Mas entrou apenas para ficar no meio de uma perfeita algazarra das peixeiras e seus ajudantes a festejar o grande golo do João Pinto! Grande João Vieira Pinto, gritavam aos pulos! E imagina, diz ela, que até lhe sabem o nome completo. E reparei que não festejavam o golo de Portugal, exaltavam o João Vieira Pinto, as pessoas não gostaram que ele tivesse sido assim afastado do Benfica, mesmo eu que não ligo nenhuma a essas coisas...  

Mas, de qualquer modo, este Europeu 2000 ainda não entrou de todo nos hábitos da cidade, ainda não começou a fazer parte da nossa rotina. E compreende-se. Por exemplo, quer em 90, quer em 96, o início da festa do futebol chegou depois de uma longa preparação, durante muitos dias fomos sendo quase que intoxicados pela contagem decrescente, faltam três dias, faltam dois dias, etc, e mesmo os Governos solidarizaram-se com o acontecimento e decretaram horário único para todo o funcionalismo público. De modo que durante dois meses Cabo Verde inteiro parava em frente da televisão depois das duas da tarde. Felizmente que nunca ninguém se lembrou de contabilizar a quantidade de garrafas de wiskyes e grogues consumidas nesses dias de paródia. 

Porém, este ano o Governo nem parece ter-se lembrado do futebol, nesses últimos dias está completamente enredado a tentar justificar o paradeiro de dois milhões de dólares misteriosamente fugidos durante a privatização de uma empresa estatal de nome ENACOL e neste momento em parte ou bolso ou conta bancária desconhecida. Aliás, causou nas pessoas uma desagradável ainda que hilariante impressão o facto de alguns deputados terem passado o tempo no plenário da Assembleia Nacional a mostrar ao vice-primeiro ministro, enquanto ele se debatia com as palavras, os dedos das duas mãos juntadas em quadradinhos, a ameaçá-lo de xelindró caso o dinheiro não apareça. 

Claro que a saborosa vitória de Portugal sobre a orgulhosa Inglaterra de alguma forma fez lembrar os já longínquos anos de 1966 e é natural que acompanhar o desenrolar do Europeu 2000 acabe finalmente por atingir nas ilhas o entusiasmo das vezes anteriores quando grupos de meia dúzia de homens chegavam a beber 3/4 garrafas de wiskey por cada jogo. 
 

Germano Almeida