Mindelo-Não obstante quase todo o grupo ser caboverdiano com nacionalidade portuguesa, acabei por dar conta que a maioria estava do lado da Alemanha torcendo por eles apaixonadamente. Protestei invocando Camões de memória: ...Ó vós outros dos antigos, Sertório, Catilina e companhia, limitada, que contra vossas pátrias, com coração profano, vos fizestes inimigos: Se lá no reino escuro do inferno ainda andais recebendo gravíssimos castigos, dizei ao Diabo que mesmo agora entre os portugueses de Cabo Verde continua a haver não poucos traidores à equipa das quinas! Sim, porque vendo bem, o que é que vocês podem ter a ver com os alemães? E o que é que temos a ver com os portugueses, devolveram-me a pergunta sem tirar os olhos do ecrã. Porém, eu não me conformava: No fim do jogo vou falar com a cônsul, informei-lhes, sugerir-lhe não apenas a apreensão dos vossos passaportes, como também o castigo maior de não mais vos convidar para o lanche do 10 de Junho...  

Foi nesse momento que o Sérgio Conceição meteu o seu primeiro golo e explodimos de alegria. Afinal todos nós temos alguma coisa a ver com eles, nem que seja apenas de televisão conhecemo-los quase um por um, sabemos quem é mais brigão ou desaforado no campo, quem costuma receber mais cartões amarelos, e até já se perguntou qual deles poderia ser capaz de cair no relvado tanto como o João Pinto!  

No entanto, desde o segundo golo de Portugal até ao fim do encontro que toda a minha solidariedade ficou adstrita ao Oliver Kahn, pobre homem! Ainda há dias tinha tido muita pena do De Wilde. Durante algum tempo ele guardou as redes do Sporting, e mesmo sem nos dar aquela segurança que o Preud¿homme conseguia transmitir aos benfiquistas fomos companheiros das dores que o Sporting tem a arte de proporcionar aos seus adeptos, de modo que tive muita pena dele quando o mostraram naquele saltinho de menina púdica contra aquele matulão que lhe roubou a bola de forma desastrosa e a meteu na baliza. Porém, nada, mas absolutamente nada justificava a traição daquela bola que dava o segundo golo a Portugal e por isso fui o único a não festejar algo por que todos já ansiavam há muito. Mas de que lado estás tu afinal, perguntaram-me. A partir de agora do lado do Oliver Khan, ele não merecia passar por aquela afrontosa vergonha, certamente que vai ficar anos sem coragem de voltar a tocar numa bola de futebol. E de facto, apenas levantei os braços ao terceiro golo e fiquei feliz por o Sá Pinto não ter acertado com a baliza. 

Porém, é verdade que as sucessivas vitórias de Portugal estão como que começando a animar por estes lados esse Europeu 2000. Mas infelizmente sem as paródias dos anos passados. Com efeito, não apenas o Governo se manteve completamente surdo à expectativa de horário único para o funcionalismo, como inclusivamente tem os seus empregados ainda sem receber os vencimentos de Junho, e dizem que só para a semana. Ora se se juntar isso ao crónico desemprego que ele candidamente continua a fixar em 35 por cento mas que deve realmente andar à volta aí de uns 50-60 por cento, fica-se com uma ideia do estado em que anda o povo das ilhas. 

Claro que a falta de horário único tem gravíssimos inconvenientes. Entre outros o facto de afinal das contas o futebol ser um desporto colectivo que exige grupo até para ser visto na televisão e com esse percalço nem sempre há quórum disponível, nem toda a gente consegue fugir todos os dias dos respectivos empregos, e dizem-me que o controlo das faltas por doença nas partes de tarde tem estado muito rigoroso, até já se chegou a pedir atestado médico para provar uma simples dor de cabeça. Assim, ontem tive que me instalar sozinho em casa depois do almoço para ver o Jugoslávia-Espanha. Ora enquanto começava-não-começava fui pegando num livro, mas quando finalmente dei por mim já estavam na segunda parte, empatados a dois golos. Tinha adormecido na cadeira como um justo. 

E agora, até sábado uma curiosidade nos mantém espectantes: acabará o peito ilustre lusitano por levar de vencida o turco infiel e terrível? 

GERMANO ALMEIDA