Esta foi uma boa semana para o crescimento de um nicho de análise infelizmente ainda pouco explorado no futebol português. Depois de variáveis tão imateriais como intensidade, intenção e volumetria dos membros, falo, naturalmente, do debate em redor do grau de maturidade intelectual e de desenvolvimento psicomotor dos penáltis a favor dos grandes.

A coisa começou na segunda-feira, quando Tonel, do alto dos seus 35 anos, cometeu um penálti infantil (de criança grande, percentil 90) nos últimos instantes de um jogo que o Sporting não estava a conseguir resolver. Foi o pretexto para se inaugurar a discussão, com a ligeireza habitual acentuada pela vocação pirómana de alguns utilizadores de redes sociais. Seria possível ser-se genuinamente tão infantil aos 35 anos de idade, com 16 de carreira sénior?

A resposta era, obviamente, afirmativa. Sim, era possível: é possível ser-se infantil em qualquer idade, aliás. Como se viu, de forma eloquente, pela argumentação infantilóide que, nos dias seguintes, alastrou das mesas de café e das redes sociais para as bocas e penas de cinquentões com tribuna pública, empenhados em sustentar o contrário à força de uma insinuação martelada.

Ponto comum às insinuações sobre Tonel: o facto de quem as produziu já ter idade para mostrar algum juízo. Ou, na falta dele, para exibir alguma decência, palavra que antecede o juízo, tanto nas páginas do dicionário como na formação humana. Entre muitas outras coisas, define-se por comportamentos como o não levantar insinuações que não se está disposto a traduzir em acusações diretas, cara a cara e com todas as letras. Para mais sobre assuntos que, visivelmente, não se dominam.



Felizmente para a especialidade  pediátrico-penalista veio sexta-feira. E, com ela, mais dois penáltis, de indiscutível infantilidade, a beneficiar o Benfica no jogo com a Académica. Talvez o percentil fosse de 80 para o de Pedro Trigueira, talvez de 85 para o de Ofori, ou ao contrário – a doutrina divide-se. Seja como for, dessa vez já não houve tempo, nem espaço, nem vontade, para levar a discussão para os territórios da conspiração e das forças do mal.

Até porque no sábado, oh maravilha!, o topo da Liga portuguesa transformou-se em jardim infantil de todas as cores, com mais um penálti de bibe e passinhos curtos, cometido no Dragão, por Marco Baixinho, desta vez a favor do FC Porto. Layún aproveitou e o ciclo fechou-se, com o equilíbrio de forças a traduzir-se numa dupla evidência: por um lado, se todas as cartas de amor são ridículas, como pretendia Fernando Pessoa, quase todos os penáltis têm um lado infantil. Por outro, erros infantis podem acontecer em todos os campos, em todas as idades e com camisolas de todas as cores.

Por mim, a coisa resolve-se bem assim. A menos que prefiram entrar na lógica de o meu penálti é melhor que o teu, a que se seguirá, na relevância de argumentação, o meu pai é polícia antes do imbatível e o teu pai é careca! fechar mais uma jornada de propaganda para a modalidade. Se for esse o caso estejam à vontade, e sirvam-se. Eu prefiro ver a bola.



PS: Não sou completamente ingénuo. Só o estritamente necessário para não ter uma visão do mundo fechada. Sei que houve, e haverá, dentro do futebol, árbitros e jogadores sem escrúpulos em falsear e distorcer jogos deliberadamente. Mas acredito que são uma ínfima minoria - muito mais ínfima do que a equivalente, no universo de dirigentes. Acima de tudo, acredito que nada me dá o direito de assumir a desonestidade como pressuposto, muito menos sobre pessoas que conheço pouco. Talvez seja uma posição infantil. Mas tenho poucas dúvidas se me fizerem escolher entre a infantilidade e a pulhice.