Se quisermos rigorosos, não foi exatamente Diego Simeone quem lançou para dentro de campo aquela segunda bola, destinada a travar um contra-ataque perigoso do Málaga, no final da primeira parte. Se quisermos ser ainda mais rigorosos, podemos até conceder que minutos antes do lance mais polémico do fim de semana houve um incidente semelhante junto ao banco adversário, quando o Atlético procurava fazer um lançamento lateral rápido, com a defesa visitante desequilibrada. E sim, isto poderá ter desencadeado no técnico argentino, para lá dos habituais instintos exterminadores com que se perfuma todas as manhãs, um desejo incontrolável de pagar na mesma moeda assim que possível.

Porque seria preciso não conhecer o trajeto dos últimos 25 anos de Simeone, dos relvados para o banco, nem fazer ideia da sua influência em todos os aspetos que envolvem a equipa, para imaginar que a ação do apanha-bolas («el chico de al lado», como o técnico o designou na conferência de imprensa) pudesse ter sido um ato espontâneo. Mesmo sendo conveniente a prudência, numa altura em que cada novo ângulo de filmagem sugere leituras diferentes para as histórias, há imagens que parecem mostrar o momento em que Simeone dá a ordem para alguém atrás de si. E, em última análise, mesmo que não o tivesse feito, o treinador é o último responsável pelo comportamento dos elementos no banco e nas imediações, pelo que a sua expulsão seria sempre uma decisão correta. O que aliás ficou claro, pela divulgação imediata do relatório do árbitro, assim que o jogo acabou (tornar públicos os relatórios dos árbitros, olha que ideia tão bizarra, não é senhores?!).

As consequências dessa expulsão, que em última análise pode afastar Simeone do banco do Atlético nos jogos decisivos da Liga, numa altura em que os três primeiros estão separados por um ponto, vão estar no centro do debate nos próximos dias. Mas nem isso, nem as eventuais atenuantes em redor do incidente, podem desviar-nos do essencial: o gesto deliberado de atirar uma segunda bola para o campo, de forma a tentar travar um ataque adversário, é indefensável, qualquer que seja o seu contexto. Não apenas por ser imoral, ou antiético, porque no futebol há conceitos éticos e morais que facilmente esticam e encolhem consoante os lados para que se puxa. Mas porque uma violação tão grosseira das regras de jogo não é o Atlético a levar o seu conceito de jogo/antijogo ao limite - ao contrário do que vi escrito, em jeito de desculpa tosca. É, sim, uma consumada traição e falta de respeito por tudo aquilo que faz do Atlético uma grande equipa - e de Simeone um enorme treinador.

Já escrevi isto há mais de dois anos, mas mantenho a ideia: Simeone entra para cada jogo como se tivesse acabado de deixar na cama do adversário uma cabeça de cavalo ensanguentada. A atitude faz parte da personagem, reforça-lhe o carisma e além disso entra no ADN das equipas que orienta, tornando-se um bom argumento competitivo. Mas não é isso que traz vitórias, nem é por isso que Simeone é enorme no que faz. Como não eram as conferências de imprensa de Mourinho, nem o hairdryer treatment de Ferguson, que os faziam ganhar jogo, troféus e temporadas inteiras - apenas elementos mais visíveis de uma lenda que, por detrás, tinha sempre, antes de tudo o resto, intensidade, compromisso com o grupo e qualidade de trabalho.

A alarvidade desnecessária do gesto no Calderón foi Simeone a transformar-se em caricatura de si próprio, a acreditar demasiado na lenda pré-fabricada de treinador mauzão, e de menos nas incontáveis virtudes do seu trabalho e do trabalho dos seus jogadores. É um gesto tosco, gratuito e precipitado, que nunca poderia fazer ganhar uma Liga - mas poderá muito bem fazer com que o Atlético a perca.