Por Luís Sobral*



O Nuno Madureira pediu-me que escrevesse sobre os 15 anos do Maisfutebol. Respondi-lhe que sim, claro. Desde que fosse sobre os próximos 15 anos.

Acho que o Maisfutebol terá mais 15 anos, pelo menos.

Em 2030, estou certo, haverá futebol. Haverá jogos, jogadores e treinadores, além dos árbitros, que no caso do Maisfutebol são pouco relevantes. Também continuaremos a precisar de nos manter informados e dar opinião, que seja lida pelos nossos amigos e comunidade. Quase tudo será digital. E o Maisfutebol é antes de tudo um conjunto de pessoas digitais, com elevado grau de adaptação e antecipação, abrigadas debaixo de uma marca bem definida. Além de bons jornalistas, num grupo forte.

Portanto, o Maisfutebol terá mais 15 anos, sobre isso nenhuma dúvida. Quanto ao resto, quase todas as dúvidas.

Nos 15 anos que ficaram para trás mudou quase tudo. Mas na prática ainda não mudou grande coisa, no panorama media. Dito de outra forma, mudou muita coisa, mas a capacidade de resistência do que existia foi elevada. Alguns jornalistas perderam o emprego, sim, mas muitos outros encontraram-no.

Se os media acabaram por resistir aos arrepiantes 15 anos que passaram, parece complicado acreditar que o consigam nos próximos 15. Ao contrário do Maisfutebol, que tem a digitalização resolvida por natureza, a maior parte das marcas de informação luta para encaixar a sua estrutura de custos nas receitas cada vez menores. E fá-lo ao mesmo tempo que procura alterar os hábitos das redações.

Em 2000, o «Record», por exemplo, vendia 98 mil jornais por dia. Hoje vende 43 mil. Um dia destes deixará de fazer sentido transportar jornais pelo país. Ou serão entregues pela internet ou não existirão. Apenas sites, apenas apps, apenas informação que nos chega aos relógios. Apenas outra forma qualquer de distribuir notícias que será inventada entretanto.

Há 15 anos era complicado ver vídeos online. Daqui por 15 anos só iremos a estádios com internet e não veremos nada na televisão à hora certa. Apenas online, quando nos apetecer. É muito provável que por essa altura já não faça sentido pagar a um operador que nos entrega canais de televisão em casa. Talvez nem existam assim tantos canais.

A internet será mais rápida, mais barata e estará em todo o lado, sempre ligada. Como nós. Será ainda mais difícil competir pela atenção do consumidor. Em 15 anos o tempo tornou-se o bem mais escasso. Isto só deve agravar-se. Teremos maior dificuldade em prestar atenção seja ao que for.

Os jornalistas levam a sua atividade muito a sério e faz sentido que assim seja, pela dimensão do papel social que desempenham. Mas quem investe em media fá-lo porque deseja aproveitar a atenção das pessoas para vender produtos ou serviços. É muito provável que isto deixe de ser assim, um dia destes. Porque a fragmentação tenderá a distribuir menos por mais. E sobretudo porque mais organizações aprenderão a comunicar diretamente. A audiência será menos concentrada do que nunca.

O que realmente vai alterar a paisagem media é a publicidade.

O mercado media assenta numa forma de medir audiências que funciona mas é, já hoje, anacrónica. Durante quanto tempo mais será assim? Em breve todas as marcas conseguirão falar com os seus consumidores. Diretamente, sem intermediação. No dia em que todas o fizerem, que razão existirá para continuarem a entregar dinheiro aos meios de comunicação?

Os media também têm produtos para entregar. Por isso precisam de acelerar esta capacidade de falar com cada leitor. Deixar de acreditar que tudo para todos é uma receita que ainda faz sentido. Por estranho que possa parecer, os meios de comunicação social sabem muito pouco sobre os seus leitores. Necessitam, rapidamente, de deixar entrar nas suas organizações diferentes qualificações.

Em breve as redações terão menos jornalistas do que pessoas que fazem outra coisa qualquer. Pode não parecer, mas esse será um bom dia para o jornalismo. Nos últimos 15 anos os jornalistas passaram a fazer muitas coisas. Editar vídeos, cortar fotografias, tratar de comentários e redes sociais. Inserir resultados. Reescrever. O tempo à secretária aumentou brutalmente. Quase tudo se faz sem ir ao local. Ou pelo menos parece que se faz. A principal vítima foi a reportagem. A chegada de mais pessoas às redações vai permitir melhorar a relação dos media com as pessoas. E libertar os jornalistas para o jornalismo.

Os media também precisam, depressa, de deixar de tentar confundir-se com páginas de facebook. O jornalismo precisa de voltar a ser apenas uma coisa séria, profunda, respeitável. Escrito de outra forma: os media precisam de se afastar daquilo que acham que gera audiências mas que no fundo é apenas lixo. Sim, as pessoas gostam de lixo, o que só por si explica o sucesso do facebook. Mas o jornalismo tem de ser outra coisa.

(em 2030, acho, os media utilizarão um símbolo a dizer mais ou menos isto: «Estas notícias são feitas por jornalistas». Por essa altura, sem auxílio as pessoas já não conseguirão distinguir o jornalismo do resto)

Se alguma coisa podemos reter dos últimos 15 anos é a capacidade de adaptação dos media. Temos a sensação de que se sobrevive pelo menos tanto quanto se vive. Mas muita coisa continua de pé, apesar do vento forte que sopra de diversos lados.

Estou seguro, já o escrevi, que o Maisfutebol terá mais 15 anos. Mas duvido que sejam 15 anos iguais aos anteriores, nas mesmas bases, com a mesma organização, com os mesmos produtos. Serão igualmente intensos, desafiantes e muitas vezes divertidos. As dúvidas talvez sejam ainda mais profundas. Se tivesse de resumir tudo numa palavra escolheria diferente. Sim, isto vai mudar muito. Para todos.

* Fundador e diretor do Maisfutebol entre 2000 e 2014.