«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

José Maria Pedroto foi um homem de convicções fortes. Inegociáveis. Até ao último dia da vida.

E foi, para quem tem memória curta ou prefere, pura e simplesmente, não lembrar, um homem que apontou um dedo acusador ao vício centralista do futebol lisboeta.

Pedroto não era figura de palavras meigas. Adorava o confronto e a provocação. Dentro e fora do balneário. Dizia, por exemplo, que o verdadeiro calcanhar de Aquiles do futebol português nos anos 70 não era a falta de qualidade, mas sim a falta de juízo.

«Todos pensamos que, quando saímos dos estádios, já não somos profissionais. E estragamos tudo.»

O inesquecível Zé do Boné estaria a pensar, certamente, nos comportamentos desviantes de alguns dos seus atletas. Era por isso, sem ponta de surpresa, que os tratava com admirável rigidez.

Para Pedroto, o futebolista era um indivíduo de mente simples, sensível aos mais primários estímulos.  

«O futebol é muito fácil. É o pão numa mão e o chicote na outra. A virtude é nunca usar o chicote.»

Confesso ter uma profunda admiração pelo Mestre. Pela profícua inteligência, mal escondida atrás daqueles óculos de fundo de garrafa, e pela ousadia. Isso mesmo, Pedroto era um homem decididamente ousado.

Já terão ouvido em conversas de café, se calhar pouco rigorosas, as expressões «roubo de igreja», «traulitada neles» ou «mal passamos a ponte da Arrábida já estamos a perder».

Pedroto era assim, caía predominantemente na tentação de grandes frases para melhores títulos. Alguns certeiros, outros nem tanto.

A minha discordância com ele mora sobretudo na aversão que nutria por futebolistas brasileiros. Ou, se me permitem uma breve adenda, por futebolistas brasileiros dentro do seu balneário. No balneário de Pedroto.

Corria o ano de 1977 e o FC Porto dependia muito dos golos de Duda. Um brasileiro de Maceió. Os jornalistas sugeriam a Pedroto que talvez os dragões precisassem de mais talento canarinho, de mais malandragem. Mas Pedroto levantava a mão e vociferava «quem manda sou eu!».

«Duda é o meu brasileiro! Mas dois brasileiros juntos são uma escola de samba e três são uma multidão em Copacabana».

Zé do Boné não queria mais brasileiros, mas talvez mudasse de opinião se visse o atual FC Porto. E, em concreto, a recente vitória em Chaves.

Com Felipe a mandar na defesa, Alex Telles a correr quilómetros na esquerda, Otávio a ressurgir no meio-campo ofensivo e Tiquinho Soares a abrir em definitivo a porta a Conceição, o FC Porto foi, mais do que um corso carnavalesco, um competente folião em Trás-os-Montes.

Tem sido também esse o grande mérito de Sérgio Conceição. Transformar executantes bons mas (antes) inconsequentes em máquinas de competitividade colorida.

Que Mestre Pedroto me perdoe, mas nisto aproximo-me muito mais de Sérgio.   

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