«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

A mente fervilhante de Eça Queirós criou Jacinto, protagonista de A Cidade e as Serras, obra superlativa no imaginário do escritor.

Jacinto era um português em Paris, um homem certo de que só no exemplo perfeito de civilização podia ser feliz. Tinha tudo o que queria e não precisava.

Uma biblioteca de Alexandria num palacete dos Campos Elísios, os mais extraordinários avanços tecnológicos possíveis no século XIX, conforto dionisíaco.  

Jacinto tinha tudo e era profundamente infeliz. Para ele nada era mais do que uma arreliadora maçada, um aborrecimento interminável. Um bocejo refastelado num maple de veludo vermelho.

Rodeado da ostentação, Jacinto passou a envelhecer firme na intenção de ser rabugento. 

Lembrei-me do pobre Jacinto a ver o Manchester United-Sevilha. Sim, José Mourinho, um treinador que venerei épocas a fio tornou-se um homem assim. Desprovido de paixão, de luz, de entusiasmo pelo jogo.

O homem que revolucionou o treino e inspirou gerações pretende agora fazer-nos acreditar que perder em casa contra o Sevilha é normal. E que jogar tão pouco, mas tão pouco, com um plantel a rebentar de milhões pelas costuras é apenas mais um dia no escritório.

Há semanas investi 90 minutos do meu tempo a analisar um Arsenal-Manchester City e fiquei maravilhado com o futebol dos rapazes de Pep. As movimentações analíticas, as triangulações instintivas, as peças colocadas com a inspiração de Kasparov, um enlaçar de talento individual e cometimento coletivo.

Uma maravilha, insisto.

Comparar este City ao United de Mourinho é um exercício profundamente constrangedor para o português. Um homem que tem Matic, Mata, Pogba e que lhes rouba a alma romântica, o que lhes resta de rua e malandrice.

É bom lembrar que um dia, há não muitos anos, todos queriam ser Mourinho. Os bons e maus, os novatos e os ainda não tão velhos como isso. Porque ele era, de facto, o melhor do mundo.

Mas - lamento José – já não é. Rodeado da sumptuosidade de Old Trafford, com um plantel orçamentado em centenas de milhões de euros, Mourinho é o Jacinto desta história, para quem tudo é uma maçada e o aborrecimento não paga impostos.

Mourinho parece um treinador triste. Um homem para quem o jogo passou a ser uma obrigação e a obrigação de ganhar um suplício. E eu tenho pena, porque eu também já quis ser como este homem.

Agora já não.   

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».