Só um defesa-central é imperial. Não há extremos imperiais, nem sequer trincos. Imperial é o Ricardo Carvalho. É quem desarma e sai a jogar lá de trás com a bola dominada ou vai lá à frente para subir entre os seus pares e de cabeça desviar para a baliza.

Do mesmo modo, não há laterais matadores. Matador é um ponta-de-lança, que por isso fulmina ou fuzila quando chuta. Os remates, aliás, são tiros, bombas, mísseis, petardos... E outros belicismos próprios da artilharia pesada.

O passe tem as suas gradações. Se for mesmo, mesmo um bom passe pode ascender a magistral. Mas se por um fenómeno qualquer nascer menina e transformar-se em assistência corre bem o risco de tornar-se «primorosa». É mais raro, mas não impossível, haver passes primorosos e assistências magistrais. Talvez porque a assistência tenha uma doçura qualquer inerente ao género. Como se o primor tivesse uma delicadeza quase feminina e a mestria conotação de varão.

Já os cruzamentos só têm conta se também tiverem peso e medida. Mas só os que são feitos com régua e esquadro. Estranhamente, nunca houve um cruzamento que precisasse de balança ou máquina de calcular.

Chegados aqui, posso desde já confessar que vou com regularidade ao futebol e mesmo em pleno inverno tenho visto cantos de mangas arregaçadas. Nunca vi um canto todo agasalhado. (Bem, adiante…)

Também já vi remates com selo de golo. Golos que selam vitórias. E vitórias que carimbam passaportes para a fase seguinte de uma qualquer competição.

Por sua vez, todo o penálti é castigo máximo. Ninguém pede castigos mínimos dentro da área. Se é para castigar, é logo pela medida grande.

Na sequência, todo o guarda-redes que é batido sem apelo também o é sem agravo. Não há guarda-redes batidos sem agravo, mas com apelo. Nem com agravo, mas sem apelo. Só sem ambos.

Apelo e agravo são uma dupla quase tão inseparável na nossa memória como Baresi, sempre imperial, e Maldini, que perdia o adjetivo pomposo quando jogava a lateral-esquerdo e voltava a adquiri-lo quando voltava ao eixo da defesa.

Notem bem: o futebol é um lugar comum para todos nós que gostamos dele; os chavões democratizam a gíria e põem-nos a jogar no mesmo campo lexical. Não torço contra estes e até lhes sorrio quando os ouço passar.

Campeonato diferente é o dos lugares-comuns. Não vou à bola com eles, nem com os seus indefetíveis adeptos.

Sei que «o jogo tem duas partes distintas», que «são onze contra onze» e que depois de uma derrota «há que levantar a cabeça», porém, tenho uma certeza profunda de que falado ou escrito o futebol não pode ser sobretudo «isto mesmo».

Vai daí que aproveito as linhas que me restam para decretar: quem não aprecia entrevistas com frases polémicas ou flash-interviews que escapem estritamente ao tema do jogo merecerá entreter-se com todas as banalidades que irá ouvir ao longo desta época. E em todas as outras que se vão seguir.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.