[Foi indicação do banco o deixar de atacar?] «Pois claro que sim. Estávamos apurados. Não podíamos, a três minutos do fim, ir lá insistir quando estávamos apurados e podíamos sofrer um.»

Portugal chegou lá, aos oitavos de final. Fê-lo de forma inusitada, com três empates, mas rapidamente veio alguém lembrar que a Itália passou pelo mesmo em 1982 e foi campeã mundial.

Agora que passaram as emoções do momento vamos aos factos: a Seleção teve o 15º registo entre as 16 que seguiram em frente. Atrás de si apenas a Irlanda do Norte, com os mesmos 3 pontos e menos golos marcados.

Portugal foi parar ao lado esquerdo do percurso porque um rapaz islandês, Arnor Ingvi‪ ‎Traustason‬, assim o quis.

Enquanto a Hungria convidava a Seleção Nacional para minutos deploráveis de não-agressão – triste ver Renato Sanches, inocentemente, a correr atrás dos adversários - a Islândia mantinha a seriedade e atirava-se para o lago dos tubarões.

É o cenário ideal para o sonho de Fernando Santos. Croácia e Bélgica são os grandes adversários de Portugal à esquerda. À direita estão por exemplo Inglaterra, França, Espanha, Itália e Alemanha.

Ora então: a Seleção apurou-se e Cristiano Ronaldo abriu a embalagem de ketchup. Para trás ficou a pressão da fase de grupos e do capitão em branco. O caminho permite ter esperança. Vamos acreditar e passar a mensagem de que a partir daqui tudo vai melhorar?

Um erro.

Só há algo mais lamentável que criticar quando tudo corre mal e celebrar de forma hipócrita quando corre bem: o silêncio protetor e cauteloso enquanto o resultado final é desconhecido.

O que vou escrever aqui não é novo. Já lamentava, no início de junho, a falta de experiência e rotinas de vários elementos que seriam importantes neste Euro2016, especialmente no setor intermediário. Admitia, por essa altura, que não acreditava no título e que já seria bom apagar a má imagem de 2014.

E porquê? Porque tornaram-se evidentes várias falhas no processo da Seleção Nacional. Falhas pequenas, que tendemos a desvalorizar nesta fase, mas que não auguram nada de extremamente positivo.

O processo sempre foi tão ou mais importante que um resultado. Normalmente, fazer bem permite ter bons resultados. Nem sempre é assim num desporto tão imprevisível como o futebol, mas é difícil ir longe fazendo certas coisas mal.

Se estiver na autoestrada e começar a ouvir barulhos no motor do meu carro, o mais provável é não chegar ao meu destino. Pode conseguir, claro, mas é má ideia ignorar o que está acontecer e seguir em frente como se tudo estivesse bem.

O que interpreto então como as três principais falhas (entre outras pequenas e preocupantes) no processo desta Seleção?

- A falta de experiência de Seleção em alguns jogadores: André Gomes (1 jogo) João Mário (1), Adrien Silva (1), Raphael Guerreiro (1), Rafa (0) e Renato Sanches (0) mal jogaram e não ganharam rodagem na qualificação. Adiou-se o futuro e, devido a várias lesões, pede-se a estes homens que saltem etapas em pleno Europeu. A qualidade está lá e vêm aí uma bela geração para o Mundial 2018. Que tenham espaço e tempo para crescer.

- A indefinição tática de Fernando Santos: Portugal tem um tradicional 4x3x3. A certa altura da qualificação, Fernando Santos mudou para um 4x4x2 losango. Mais tarde, já a caminho do Euro e sem o esforçado mas inconsequente Danny, mudou para o 4x4x2 clássico. Nos três jogos não solidificou uma ideia e gerou até confusão contra a Islândia, quando diz que jogou em 4x4x2 losango e poucos viram isso. Nani e Ricardo Quaresma perceberam o que tinham de fazer?

- O excesso de ambição no discurso: Fernando Santos deu a cara por uma rara candidatura ao título. Ora Portugal, que vem de um sofrível Mundial em 2014, risca essa memória e aponta para a final. Nenhum adepto pediria tanto, mas a pressão foi colocada internamente. Pior, foi reforçada após o segundo empate, com a Áustria. Terá como objetivo fazer o grupo acreditar mas tornou-se contraproducente e desajustado. É um erro, creio, entre ligeiros embaraços no processo de comunicação, como aquele que se viu quando Cristiano Ronaldo recebeu o prémio de Man of the Match e deixou um jornalista sem resposta.

Vamos fechar os olhos e fingir que nada disto acontece? Esperar que corra mal para atacar tudo e todos, do selecionador ao médico? Ou mais vale manter um discurso coerente, frio e sem protecionismo patriótico em relação à Seleção? Ele aí fica.

Agora vou tirar o cachecol da gaveta da secretária e torcer pelo desafio de probabilidades. Façam-me sonhar e morderei a língua com todo o gosto.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)