Terça-feira foi um dia longo, intenso, realizando e procurando apresentar da melhor forma o exclusivo com André Villas-Boas. O treinador do Zenit S. Petersburgo chega aos 37 anos com a compreensível aversão a uma tremenda exposição pública. São raras as suas entrevistas, aliás.
 
Pedro Neves de Sousa, da TVI, garantiu a conversa com o técnico português num processo demorado, onde se destaca a sua persistência e os sinais positivos de André Villas-Boas, sem recuos.
 
O Maisfutebol e a TVI realizam a entrevista no Jardim Botânico do Porto e procuram condensar o que foi dito durante mais de uma hora, com perguntas sérias e por vezes incómodas. Escolhem-se títulos fortes e impactantes, como diria o técnico, sem esquecer o ‘sumo’ que se perde entre a leitura apressada.
 
Eis então um guia alternativo para o exclusivo com André Villas-Boas, com quinze pontos, equivalentes aos milhões de euros que o técnico garantiu para os cofres do FC Porto quando assinou pelo Chelsea, embora fique para os adeptos como o homem que venceu tudo e partiu como ‘traidor’. Comecemos por aí.
 
1. 15 milhões de euros: AVB considera que não haverá outro treinador na história do futebol mundial a render tanto dinheiro numa transferência. Provável. Por isso mesmo, embora o adepto do FC Porto tenha lamentado a saída abrupta para o Chelsea, não acredito que o desconforto entre treinador e direção portista tenha sido considerável. Foi oportunidade única para as duas partes.

2. Outras funções: o treinador continua a falar de uma carreira relativamente curta, não se vê no cargo com 50 anos mas, em vários momentos da entrevista, admite a hipótese de desempenhar ‘ outras funções’. Cargos diretivos ou o regresso aos departamentos de observação? Não foi possível esclarecer, mas fica um dado interessante para o futuro. 

3. Mediatismo: fiquei consideravelmente surpreendido com o vincado desejo de Villas-Boas em se afastar de cenários extremamente mediáticos como a Liga inglesa. Nesta conversa, o técnico afasta-se da Premier League, diz que o futebol italiano não entusiasma e também não deixa os olhos brilharem com La Liga de Espanha. Tudo muda, é certo, mas nota-se algum desinteresse pelos circuitos mais famosos. Talvez por isso, admite no futuro trabalhar em outras funções, provavelmente na ‘sombra’. 

4. Rivalidade FC Porto-Benfica: AVB é agora um bom amigo de Jorge Jesus. Admite que os ‘ diálogos quentes’ quando estavam em lados opostos da barricada fazem parte de ‘algo que tem de estar presente e existir’. Ou seja, são discursos estratégicos, para fora, habituais nos clubes. Para quem ainda tivesse dúvidas. 

5. Tim Sherwood: um dos momentos que condeno em Jorge Jesus, na época passada, mas teve como objetivo a demonstração da sua amizade por Villas-Boas. O técnico do Zenit agradece publicamente o gesto, que lembrou o essencial: o Tottenham piorou após a sua saída. 

6. Franco Baldini: o português aponta claramente o dedo ao homem que aprovou para o cargo de diretor desportivo do Tottenham. No fundo, diz-se enganado pelo italiano. Acusações fortes. Ainda, críticas a quem não garantiu jogadores como João Moutinho

7. Roman Abramovich:  outra revelação interessante, que despertou o interesse dos jornais ingleses. O dono do Chelsea não esteve próximo de Villas-Boas devido a questões da vida privada. O português não se arrepende da ida para os ‘blues’ mas nota-se o desencanto. 

8. 37 anos: André não pensa exatamente como pensava aos 33 anos, quando estava em Portugal. Amadureceu ideias, aprendeu com os percalços na ascensão, algo que não sentira até rumar a Inglaterra

9. Perda de margem de manobra no Zenit? A pergunta incontornável. O Zenit não venceu o campeonato passado, foi eliminado da Taça da Rússia e falhou o acesso aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Por outro lado, lidera agora o campeonato e tem aspirações na Liga Europa. Villas-Boas responde de forma diplomática, sem desconforto, mas com poucas palavras: ‘ Não. De todo’. 

10. Sporting: opinião muito interessante sobre o clube leonino, que deverá interessar a todos os adeptos do Sporting. AVB nota ‘dois pólos’ no clube, um mais emotivo, o outro racional. Adivinha quais são? 

11. Treinadores portugueses: André Villas-Boas não faz por menos e aponta a escola lusa como a melhor do mundo, nesta altura. Destaca a importância de Mourinho e apresenta dois argumentos fortes: a visão global e a adaptabilidade.

12. Cristiano Ronaldo: o técnico considera que o português evoluiu nos últimos dois anos, sobretudo como ‘figura do desporto’. Fala na sua ‘linguagem corporal’ no relvado. Ou seja, um Ronaldo mais focado, clarividente, sem se perder em picardias e atitudes desajustadas.

13. Jardim Botânico: é AVB quem sugere o espaço para a conversa com a TVI e o Maisfutebol. Um refúgio pouco explorado do Porto. Os responsáveis pelo Jardim Botânico abrem rapidamente as portas, sem burocracias. Tiago Ferreira e Carlos Carvalho, os repórteres da imagem, garantem um cenário ideal para a entrevista, com a habitual e eficiente capacidade de improviso.
 
14. APPACDM: coincidências. Nesta quarta-feira, Villas-Boas tornou-se padrinho da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, com um donativo de 10 mil euros. Porquê? Cruzava-se todos os dias com os utentes da instituição na Rua Tenente Valadim, onde morava. Ficou o afeto. Foi nessa rua, aliás, que se aproximou igualmente de Bobby Robson, dando o primeiro passo rumo ao futuro. 
 
15. Uma dedicatória para o Maisfutebol. AVB deixa passar o seu tempo-limite para a entrevista, por respeito a quem está do outro lado, e a atitude cai bem. Fica uma boa imagem. No final, apressado, perde mais um minuto para escrever uma dedicatória elaborada no livro que o Maisfutebol fez sobre ele, em 2011. Um sinal de respeito mútuo. Obrigado.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)