Há jogadores sobre os quais não é fácil escrever. Quando chegamos perto do que queremos dizer já eles nos driblaram e aceleraram, girando em ritmo febril aquelas pernas em hélice, de desenho animado, deixando-nos a ga-gue-jar. À espera de uma nova oportunidade. E voltamos a cometer o mesmo erro, dez metros mais à frente. Não é fácil, garanto-vos. Não o é para nós nem para os defesas rivais, que estão obrigados a pará-lo. Muitas vezes, sem misericórdia. Noutras, terá mais sorte.

Quando aquele sangue verde efervescente, argelino de pai e mãe, começa a bombear, o rapaz desata a serpentear, escorregadio, entre dezenas de pinos listados de laranja e branco, até conseguir o que quer. Só pára quando satisfeito, quando atingiu o seu objectivo. Pega na bola e lá vai ele, como se estivesse numa exibição de controlo e técnica, com tempo mínimo para terminar o exercício. O cronómetro a avançar, lentamente. Ele sem tocar nos pinos. Um. Dois. Três. Quatro. Aplausos. Vénia.

Terá aprendido na rua, nos subúrbios de Paris, em Seine-Saint-Denis, quando sonhava ser Zizou, também ele de sang  vert, mas emigrado mais para sul, para Marselha. Terá aprendido (ou percebido da sua natureza), ali ao lado do rio, que o futebol é também para os artistas de rua, não só para os certinhos dos franceses, sempre demasiado geométricos ou lógicos nas coisas que fazem. Também existe para os que pensam quase de baliza a baliza, em ésses, e que se atiram para cada jogada porque acham que essa também merece ser o golo do século. Para aqueles que antes do lanche tentam esconder dos pais as queimaduras do alcatrão ou do tijolo, e quando descobertos ouvem o velho sermão do estudar para ser alguém.

Foi o Pierre, papá! Não gostou que o tivesse fintado...

Em Clarefontaine, ter-lhe-ão certamente tentado tirar o vício. Depois no Rennes, também.

Non, Yacine! Non!

Mas é algo que deve carregar no sangue, tão pouco gaulês. Pegar na bola e ir, até ao fim. Como se também ele tenha bebido da poção mágica do Panoramix e se julgue invencível.

Essa parte magrebe do seu código genético partilhada com Zidane, mais o jeito, tanto jeito, a imitá-lo quando miúdo fazem com que traga o ídolo agarrado à ponta das botas. Depois, a essa imagem decalcada baixou o centro de gravidade, acrescentou-lhe velocidade e explosão, e tornou-se criador dos seus próprios espaços. Que terminam invariavelmente em...  But!

Ici c’est Paris. O lema que Brahimi ouviu enquanto crescia será chamamento que o seduzirá sempre que o estádio ficar em silêncio. Sempre que o que está à volta se diluir. Sempre que adrenalina do golo escoar para as profundezas do corpo. Nascido em Paris. Ou melhor, plantado na cidade-luz por pais argelinos, tornou-se homem a pensar no Parc des Princes, e nos rugidos da Boulogne e da Auteil. Ici c’est Paris. Ele sabe, todos nós sabemos, que um dia será difícil dizer que não a uma sigla. PSG. A três letras, cada vez mais berrantes, mais poderosas, com a força do gás natural do Qatar a incendiá-las. Mas não será para já.

Por enquanto, o rasto nos relvados portugueses ainda está visível. Sempre com a bola no pé direito, depois a usar o canhoto para o resto, quando precisa. Os arranques, as mudanças de direcção, os truques, os remates, as bolas curvas, os livres. As assistências, com a visão herdada de Zizou. E os golos, que serão suficientes para nos recostarmos saciados durante a semana até novo truque de magia.

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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no    FACEBOOK  e no    TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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