Basta um olhar superficial pelas cotações das casas de apostas para confirmar a evidência, que nenhum discurso de circunstância nas antevisões pode alterar. Quando Portugal entrar em campo, em Lyon, para a sétima meia-final da sua história em Europeus e Mundiais terá, pela primeira vez, um claro estatuto de favorito que nem sequer em 2004, jogando em casa com a Holanda, lhe foi atribuído.

Não será só por isso que, previsivelmente, esta quarta-feira quase todos os adeptos não-portugueses vão torcer pelo País de Gales. Para começar, toda a gente gosta de uma história de superação e os galeses, estreantes em Europeus e ausentes de grandes competições há 58 anos, são o underdog perfeito. Ao fator da novidade juntam um futebol que, limitações à parte, deixa sempre a impressão de intensidade máxima, entrega total e esgotamento das reservas de energia e talento. E esses são ingredientes a que o público dá tanto mais valor quanto mais baixas forem as expetativas iniciais – veja-se os fenómenos de popularidade da Islândia, ou mesmo da Irlanda do Norte.

É forçoso reconhecer, também, que esta seleção de Portugal tem poucos argumentos para puxar os neutrais para a sua causa. Por um lado, há o fator de habituação: são quatro meias-finais nos últimos cinco Euros - regularidade que nenhuma outra seleção alcançou – a que podemos juntar a omnipresença de Cristiano Ronaldo nas fases decisivas da Liga dos Campeões nos últimos anos. Mesmo sem a concorrência galesa, seria difícil reclamar o estatuto de sabor novidade do mês com presença tão assídua nas memórias coletivas.

Por outro lado, em campo, a seleção portuguesa tem sido o oposto de um underdog, deixando sempre a sensação de gerir a conta-gotas as reservas de talento, comprazendo-se em fazer apenas o estritamente necessário para seguir em frente. É essa falta de generosidade que o público estranha mais – o estrangeiro e o português também. E será esse o principal argumento para que, mais logo, Portugal tenha de vestir uma pele a que está pouco habituado: a do veterano manhoso desafiado pelo caloiro inconsciente e entusiasta.

Porém, quando se critica o jogo da seleção de Fernando Santos é bom saber o que se está a criticar. As comparações com a Grécia de 2004, por exemplo, tornaram-se moda, e explicam-se, em grande parte, pelo sentimento de frustração provocado por esse histórico Portugal-Croácia sem remates à baliza durante mais de 90 minutos.

Mas excluindo esse jogo – curiosamente o único que Portugal venceu e também o único em que Portugal entregou iniciativa ao adversário, permitindo-lhe superioridade em quase todos os itens estatísticos – em todos os outros não foi uma estratégia demasiado defensiva a provocar mossa na lenda de «belo jogo» a que gostamos de associar a Seleção: se o fosse, não teria havido tão clara superioridade de posse, remates, cantos e faltas sofridas diante dos outros quatro adversários.

Ao contrário do que as leituras mais simplistas fazem crer, o que caracteriza esta seleção não é a recusa de assumir o jogo, é a obsessão com a limitação de riscos de perda, quando em situação de ataque – e também por isso o efeito Renato Sanches é tão contrastante – e a falta de eficácia nas soluções de jogo interior. É isto que leva a equipa a um abuso de cruzamentos com poucas possibilidades de êxito – porque a defesa poucas vezes é tirada do caminho e porque falta gente na área – e a um excesso de remates de fora – como o do golo de Renato Sanches à Polónia, sim, mas também como os 65 (13 por jogo) que, de acordo com as estatísticas oficiais da UEFA, ficaram nas pernas dos defesas adversários ou passaram longe do alvo.

Tem sido, pois, um jogo previsível e historicamente contrastante com o das seleções portuguesas que entravam nas grandes competições com dois grandes objetivos: chegar o mais longe possível, conquistando de caminho o maior número possível de simpatizantes. Fernando Santos, homem lúcido, e convicto daquilo que faz, mostrou desde o primeiro dia de apuramento que, na sua cabeça, o segundo objetivo era perfeitamente dispensável, desde que os resultados validassem o trajeto. Tendo ficado expostos nestes cinco jogos alguns defeitos do plano e não sendo tão facilmente visíveis para o exterior os méritos mais fortes do seu trabalho - na coesão e renovação do grupo, na adaptação tática de Cristiano Ronaldo e na tranquilidade com que exerce a liderança, evitando conflitos por antecipação - falta-lhe ainda uma vitória, uma só, de preferência categórica, como nenhuma até à data, para ganhar a aposta.

Sacrificadas sem remorsos as memórias épicas e a simpatia da geral, só com a vaga na decisão de domingo, diante do principal favorito à vitória no Euro – França ou Alemanha, riscar o que não interessa – esta seleção que acredita, luta, enerva, frustra mas segue em frente, legitimará o processo de transformação. Caso contrário, ficará a meio caminho: sem memórias que a eternizem e sem resultados que acentuem a diferença para o tempo em que Portugal gostava de ser underdog.