Se tivéssemos ganho aquele jogo que perdemos em dezembro, agora bastava empatar este. Se aquela bola que bateu na trave tivesse entrado, o jogo seria totalmente diferente. Se o árbitro tivesse visto aquela falta, se calhar até nem perdíamos.

O futebol tem muitos «ses» e o mais normal é aparecer logo alguém a dizer que o «se» não interessa. Mas…e se? Já interessa? Interessa e muito.

E se aquele frango não tiver sido bem um frango? E se aquele passe falhado tiver sido, afinal, calculado com toda a precisão? E se aquela reviravolta não tiver sido incrível mas consentida? E se na bancada estiver alguém sentado conhecedor de resultado e marcha do marcador ainda o árbitro não tinha apitado para o início?

Enquanto meio país discute com o outro meio se foi fora de jogo ou não, se o penálti foi bem assinalado ou aquela bola entrou mesmo na baliza, um problema bem maior corrói, centímetro a centímetro, a estrutura que sustenta todo o fenómeno.

O problema das apostas é a maior ameaça de sempre ao futebol. Maior do que o doping, por exemplo. Nem um presidente incompetente, um diretor corrupto, um treinador mal intencionado e, muito menos, um jogador com pouco jeito têm capacidade para fazer tão mal ao desporto como a desconfiança.

Antes, o Liverpool recuperava de um 3-0 em 45 minutos e era só épico. Hoje fazem o mesmo e é de investigar. O 5-3 de Portugal à Coreia do Norte levantaria muitos sobrolhos houvesse apostas online na década de 60.

O problema central não é, assim, o que se ganha, o que se perde, se serão ou não apanhados. O maior golpe é mesmo a desconfiança. Que o imprevisto passe a ser sempre suspeito, o que fere de morte toda a lógica do futebol.

A sociedade atual acredita em cada vez menos coisas. Não há fé no amor, na amizade, no casamento, na boa vontade, na política, no jornalismo, na solidariedade. Olhamos para uma imagem à procura do Photoshop, ouvimos um cantor identificando os efeitos que a gravação levou.

Vemos uma prova de ciclismo à espera da contra-análise. Apresentam-se números de vendas e fala-se em «milhões da treta». Vê-se um erro de um árbitro e tenta-se logo descobrir intencionalidade.

Não há fé em nada e nem sequer entramos por caminhos religiosos.

Era mesmo preciso acrescentar o jogo da bola, até agora território sagrado?

É urgente uma solução que limpe de vez a dúvida e deve ser esse o foco dos responsáveis do futebol nos próximos tempos. Pois se deixamos de acreditar que aquele remate foi naquela direção porque havia a melhor das intenções, mais vale fechar o campo e, como no velhinho jogo da rua, pegar na bola e levá-la para casa. Porque aí, pelo menos, todos suavam para ganhar e a única aposta que valia era a do vais ver como eu te ganho.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.