Não sei quem te pôs esse nome. Não sei quem olhou para ti e viu essa alcunha. Até tens cara de menino de bem, de camisa branca e cor no xadrez, e sapatos de vela. De rapaz arranjado, que veste a roupa da missa noutros dias além do domingo. Não consigo perceber como olharam para essa cara de miúdo, mais miúdo ainda que o Solksjaer, esse Michael J Fox dos relvados, e disseram

Tu és el bandido!

Não é fácil perceber essa linha de raciocínio. A não ser que mesmo no betinho que aparentas ser tivesse havido fisgas escondidas, assaltos a quintas para levar fruta-da-que-sabe-melhor e vidros partidos com pedradas ou, melhor, com bolas extraviadas. Quantos vidros quebraste em Ibagué a desenhar aquele golo? Terá sido isso? A bola no peito, viraste-te e remataste para o golo da tua vida, mas de repente, de nenhures, apareceu uma casa que apareceu entre ti e a baliza? Deixaste uma janela em cacos e a velha bradou aos céus, de lá de dentro: 

Que fizeste tu, meu bandido?

E correste. Fugiste. Para não seres castigado. Bastou isso?

Não! Claro que não. É parvoíce. Os colombianos gostam de alcunhas, e quase todas elas são dadas na
cancha . Eras El Bandido porque os defesas tinham medo de ti, do que podias fazer com o teu pé esquerdo. Das fintas, do remate forte, da classe com que triunfavas desde chiquitito. Tinham medo por antecipação de todo esse talento, que demorou a desabrochar em todo o seu esplendor. Os sul-americanos são lixados com os cognomes, mas que seríamos nós e vocês sem eles? Compõem a vossa aura de heróis. Lembram-se do Cristián Rodríguez, a Cebolla uruguaia que faz chorar os defesas? Teve azar, nem sempre os adeptos ou os jornalistas estão inspirados.

Claro que há alcunhas melhores, como a tua. É um facto! Quantos não gostariam de ouvir na rádio ou na televisão um desses apelidos estranhos a acompanhá-los. E queres mais um? Posso chamar-te o Dani
cafetero. És rude decalque do Dani portuga, que aos 17 não tinha igual do mundo, e depois, anos depois, a seguir a Sporting, West Ham, Ajax, Benfica e Atlético Madrid, fartou-se da bola. Lá terá tido as suas boas razões. O Redknapp não evitou, quando estava nos Hammers, uma das suas tiradas de génio

Dani is so good-looking I don't know whether to play him or fuck him…

Demasiado, talvez, Harry! Hoje, vejo Dani muitas vezes, com a sua camisa branca,
pullover e sapatos de vela a caminho de um estúdio. Aquele jeito de levar a bola, colada ao pé esquerdo, parecido. Rudemente parecido. A altivez a conduzi-la, a finta desenhada, o remate. Os vaticínios precoces, o assumir com todas as letras da presença de dois talentos enormes. Caminhos e escolhas diferentes. Esperemos. Mais para nosso bem do que para o deles. Sejamos egoístas só desta vez. Raios ta parta, Dani! 

Antes de Valderrama o confirmar já toda a Colômbia te chamava herdeiro.  James, o sucessor!  Já Asprilla olhava para a bola de cristal e acreditava que podias ser o melhor de sempre. 

Tanta classe! E a esbanjá-la no Brasil. A sair à rua a mostrar todo o teu peso em ouro. Bem mais do que os 45 milhões que o Mónaco pagou por ti. Agora sim! Aqui, no melhor Mundial de sempre, com a melhor e maior plateia de todos os tempos, mostras o que verdadeiramente és. Deixa-os lá. Os multimilionários a tomar banhos de sol nos terraços, os novos Tios Patinhas com os seus iates no mar, deixa-os lá. Deixa-os a esturricar nos seus solários naturais, enquanto tu nos divertes a nós na televisão. E se o Jardim vier com aquelas conversas à Redknapp diz-lhe

Mister, aqui o bandido sou eu!

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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no   FACEBOOK  e no   TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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