1. De maneiras que é isto, não é? Por isso o melhor é seguirmos em frente.

 

Seguimos em frente para referir, basicamente, que outro dia ouvi Jackson Martínez dizer que os adeptos num estádio devem apoiar. Acrescentou que se lhe apetecesse assobiar ficava em casa, onde podia assobiar à vontade.

 

Enfim, nada de novo. Jackson foi apenas mais um exemplo de um jogador que vive fechado numa borbulha distante da realidade.

 

Atenção, não estou a criticar Jackson Martínez. Estou a criticar a borbulha: e em último caso a realidade.

 

O mundo seria um lugar tão melhor se todos vivêssemos na mesma borbulha dos jogadores de futebol, naquela espécie de realidade paralela em que cada um de nós se julga o centro do universo: o sol à volta do qual circulam os planetas.

 

Mas infelizmente a realidade não é essa. Alguns têm de descer do pedestal.

 

Sócrates, o brasileiro, disse um dia que nunca jogou para ganhar: jogou para não ser esquecido. Infelizmente foi um caso que já não é exemplo, e por isso ficou na história.

 

Hoje em dia o futebol joga-se todo à volta do verbo ganhar: os jogadores dinheiro, os clubes títulos e os adeptos boas memórias.

 

O romantismo, está bom de ver, está do lado dos adeptos.

 

São os únicos que não têm um interesse material no jogo: são no fundo os únicos que não levam para casa nada a não ser um sorriso e o entusiasmo dos bons momentos.

 

Falta no futebol, e era a este ponto que queria chegar desde o início, aquele tipo de jogadores que quando parte deixa um enorme vazio. Jogadores que assumem um compromisso com o futebol, com o clube e com os companheiros, sim, mas que assumem sobretudo um compromisso com os adeptos que eles próprios representam.

 

A ambição industrializada dos tempos modernos, sobretudo em Portugal, esvaziou o futebol da emoção do sentimentalismo. Chegaram os estrangeiros e partiram os símbolos: as referências da vertigem de uma paixão avassaladora.

 

Jackson não criticaria os adeptos se soubesse o que é amar o clube desde o dia em que se lembra de ser gente. Porque os adeptos são o clube: são os únicos que alimentam um amor desinteressado.

 

Provavelmente juntava-se aos assobios. Também ele com o coração partido.

 

2. O Salgueiros é um exemplo paradigmático. Uma gestão criminosa dos dirigentes roubou-lhe tudo: estádio, sede, campo de treinos, dinheiro, até o autocarro.

 

Só não lhe roubou os adeptos.

 

Por isso ele continua por aí: porque enquanto houver adeptos, há alma, e enquanto houver alma, há Salgueiros. Mesmo que não haja mais nada.

 

Lembrei-me disto a propósito do puxão de orelhas dos responsáveis do FC Porto aos assobios dos adeptos. Exigem-lhes que paguem as quotas, que paguem os bilhetes, que paguem as viagens, que comprem camisolas e que aumentem as audiências.

 

Agora também lhes exigem que abdiquem da liberdade de se revoltarem pontualmente.

 

Para mim, e em último caso, é apenas uma falta de respeito pela alma do clube. Porque o clube não são os jogadores, nem os treinadores nem os dirigentes: são os adeptos. Os outros passam, estes ficam.

 

Em alguns casos, como no do Salgueiros, ficam mesmo quando não há mais nada.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias