Sempre me questionei como terá sido a vida de Andy Dufresne e Red em Zihuatanejo.

Um cinéfilo, que nem precisa ser muito experiente, saberá que estou a falar de «Shawshank Redemption», o meu filme de eleição. Mas uso este exemplo como poderia escolher qualquer outro.

Como seria a ilha do «Lost» governada por Hurley? Como cresceu o filho de Guido em «A vida é bela»? Conseguiu Dexter estabelecer-se como funcionário de uma serração? Ok, esta última, admito, faço questão de não querer saber.

Onde quero chegar? Não engulo o «felizes para sempre». Trouxe esta ideia das histórias que me contavam em criança, das novelas brasileiras que passavam na minha televisão, passei-a para todos os filmes, séries e livros que vou lendo.

Não é uma questão de insatisfação com o que me dão. É não gostar de finais, pura e simplesmente. Se agora os problemas estão todos resolvidos, por que não posso ver como vai correr?

Felizmente, há o Boavista.

Se a história do Boavista fosse um filme, o fim seria algures em agosto, quando alguém vestido com a famosa «camisola esquisita» desse o pontapé de saída para o primeiro jogo do campeonato.

E os condimentos estão lá. O miúdo que cresceu até ser gigante. Que fez frente aos maiores, que os bateu. Que foi campeão, que esteve numa meia-final europeia. Que caiu em desgraça, desceu ao inferno. E recuperou.

Desce a cortina.

Mas a melhor parte é que a cortina não vai descer. As pipocas aguentam e o «felizes para sempre» fica congelado. Vamos todos ver como isto continua.

Até porque, dificilmente, o Boavista será feliz para sempre. Vai ser duro, hercúleo. A missão espinhosa vai pedir um treinador que seja um petit Tom Cruise. Uma equipa com a força de Sansão e Aquiles combinadas. E uma equipa com memória.

A «camisola esquisita» do Boavista não estará mais no corpo de Ricky ou Marlon Brandão. Não será Bobó a mandar a meio campo, Timofte a pensar, Sanchez a bombardear, Martelinho a correr na direita ou Silva a puxar o gatilho. Não estará Manuel José a orquestrar, Jaime Pacheco de dentes cerrados.

Não haverá uma equipa em forma de muro a tirar o Inter da Europa, a calar Anfield Road no trágico 11 de setembro. Não haverá Goulart para o golo de uma vida em Dortmund.

Mas vai lá estar a camisola. A do costume, ou parecida, pelo menos. Com outras caras, outros perfis. Mas vai lá estar.

E vamos poder ver o «felizes para sempre» dos homens do Bessa. E, acima de tudo, se quando o árbitro apitar, entrará em campo o Boavista ou o Boavistão. 

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