Quando Jonas começou a marcar os primeiros golos pelo Benfica, na temporada passada, um colega jornalista brasileiro abordou-me para dar conta da sua surpresa. Dizia-me ele: «Perdi algum episódio aqui no meio. Como é que o Jonas está no Benfica?!»

O espanto nada tinha a ver com o jogador ou o clube, mas com o processo. Expliquei-lhe como tudo aconteceu. Como o Valência o deixara sair, como ficara sem clube, como o próprio Benfica hesitou até assinar contrato. Respondeu-me: «Gosto muito dele. É meio 'caneleiro', mas é daqueles que quando acerta na baliza marca.»

Pareceu-me uma definição deliciosa mas arrojada. Afinal, só tinha conhecido um avançado assim: Mário Jardel. Um jogador que não era especialmente bom em nada, mas tinha golo como, se calhar, nenhum outro por aqueles anos no planeta futebol.

Jardel era a garantia de que o jogo só terminava mesmo quando o árbitro apitava. Porque antes disso, qualquer bola metida na área poderia acabar na baliza contrária e, não raras vezes, um tranquilo 2-0 passava a 2-2 em dois cabeceamentos certeiros.

Adaptando uma frase conhecida de Dadá Maravilha, o homem que dizia que passou tanto tempo a marcar golos que não aprendeu a jogar futebol, «o mundo tem três poderes: Deus no Céu, o Papa no Vaticano, e o Jardel na grande área».

Ora, desde que Jardel entrou no pântano que lhe roubou até os golos que eram o seu nome do meio, já o futebol português teve muitos outros goleadores de renome. E de qualidade. Benny McCarthy, Liedson, Oscar Cardozo, Lisandro López, Falcao, Lima ou Jackson Martínez. Nenhum deles teve uma época tão impressionante como esta, de Jonas. Digo eu e dizem os números, claro.

Jonas é muito diferente de Jardel e, ao mesmo tempo,o que de mais parecido com ele por cá tivemos.

Tecnicamente mais dotado, capaz de tabelar e encontrar espaço à entrada da área para um remate ao ângulo, consegue também ser homem de um segundo decisivo. Um instante que faz a diferença. Como, lá está, Jardel, que fez vários golaços na carreira, é certo, mas era, sobretudo, homem de um toque. Fatal, quase sempre.

Acho uma certa graça à crítica por não marcar nos grandes duelos da nossa Liga, como se Aboubakar ou Slimani o superassem por já o terem feito. Ou como se os outros 28 golos de nada servissem.

A cada tiro certeiro de Jonas vou lembrando a definição curiosa que me foi dada pelo colega brasileiro que o conhecia melhor do que eu. Não me falou de técnica, de pormenores, de esforço, de solidariedade em campo. Jonas até tem um pouco disso tudo, mas ele achou mais importante destacar o óbvio: «É daqueles que marca quando acerta na baliza.»

O futebol é simples. Nós é que o complicamos.

E se um lateral tem de defender, apoiar o ataque e dobrar os centrais; se um médio tem de construir, destruir, vir buscar jogo, aparecer na área para criar superioridade, bascular para compensar as subidas dos laterais; se um central tem de dominar no solo e nas alturas, controlar o espaço ou dobrar os laterais; um ponta de lança só tem de marcar. Pode não fazer mais nada que se fizer golos ninguém vai levar a mal.

É por isso que imagino Jonas, numa conversa imaginária sobre futebol, por entre as mil e uma virtudes que apontam a outros que jogam no seu lugar sem a mesma pontaria, a adaptar o famoso bordão de Herman José: «Sim, mas eu é mais golos…»

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