«Nós somos pelo Brasil»

É mais ou menos assim que me lembro. Podem não ter sido exatamente estas as palavras mas a mensagem não deixava dúvidas. Com Portugal, quase sempre, afastado, quando chegava ao Mundial lá por casa ninguém tinha dúvidas por quem torcer.

«São os nossos irmãos»

Os livros de história comprovavam a ideia, mas aquilo, confesso, fazia-me confusão. Eles eram muito melhores do que nós. Tão melhores que aquela ligação, diziam, umbilical parecia coisa de novelas. Estava sempre à espera que aparecesse alguém com cara triste, mandasse sentar e mostrasse o teste de paternidade: Brasil e Portugal não são filhos do mesmo pai.

Nunca apareceu. E habituei-me ao Brasil. Ao Brasil, sublinho, porque alguém é capaz de confundir com aqueles rapazes de camisola amarela que estiveram em Belo Horizonte na terça-feira.

Ao Brasil de Romário. Ao Brasil de Bebeto. Ao Brasil que até nem seria a melhor equipa daquele Mundial do soccer, mas ganhou. Vinte e quatro anos depois da última vez.

Não me custou habituar ao Brasil de Ronaldo, admito. Antes de ver Messi e o nosso Ronaldo nunca havia visto nada assim. O melhor Maradona escapou-me por pouco. Pena.

Gostava do pé canhão de Roberto Carlos, das corridas de Cafu, das loucuras de Denilson ou Edmundo. Admirei Rivaldo e Ronaldinho.

Até Yokohama vi o Brasil. Depois sumiu para dar lugar a este Brasil. Ficou por lá.

A aura de gigante da bola foi estilhaçada aos poucos. Por vaidade, culpa própria e negação.

Em 2006, pela primeira vez, vi uma final de um Mundial sem o Brasil. Uma eliminação estampada na sobranceria de Roberto Carlos, a arranjar a meia. Em 2010 o réu apareceu logo: Felipe Melo. E as feridas ficaram maquilhadas.

Em 2014 o Brasil deixa o Mundial sem uma única exibição que fizesse tremer um rival. Sem marca, sem glória. Com Neymar e um golaço de David Luiz para amostra. E nada mais.

E quando no maior mercado de futebol do mundo não há mais do que isto para mostrar, a hora é de tocar a sirene. O Brasil está em risco. O Brasil a sério está em risco. 

Ninguém esperava tamanho trambolhão, mas a mudança era evidente. O Brasil cairía mais tarde ou mais cedo. Tão certo como um ciclista que se isole a poucos metros dos Campos Elísios acabar apanhado. 

Perderam dois Mundiais em casa. Vexame no primeiro. Vexame muito maior no segundo. Levaram as mãos aos olhos e enxugaram as lágrimas. Caíram.

Agora percebo: por trás do tudo o que ganharam, por trás de anos de glória, de craques, de noites de sonho e muita festa com samba, está a essência do sofrimento. Do fado. O que me diziam estava certo: são mesmo os irmãos afastados de Portugal.

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