Cinzenta, levezinha e com umas letras que eram a legenda perfeita: Itália 90.
A minha primeira recordação de um Mundial é aquela. Num Mundial do qual, verdadeiramente, não tenho a mínima imagem. Dizem que não perdi grande coisa, o que alivia. Aquela bola, se calhar, já era suficiente. Para mim era, pelo menos.
Depois veio o resto.
Romário e Baggio. Ronaldo e Zidane (de cabeça!). E outra vez Ronaldo. E outra vez Zidane (de cabeça…perdida). Por fim, Xaviniesta, os melhores gémeos da bola separados à nascença.
A lenda do Mundial cresceu com eles, mas, em abono da verdade, nenhum deles seria menor sem o mais mítico torneio de seleções do mundo.
O Mundial, defendo eu, alimenta-se dos outros. É o palco para os maiores brilharem mas é, acima de tudo, lugar para aparecer.
Seria o mesmo sem Yekini agarrado às redes? Sem o voo de Letchkov? Sem o arranque imparável do miúdo Michael Owen?
Por cada Bebeto a embalar um berço imaginário, haverá um Milla a dançar na bandeirola de canto, um Bouba-Diop a fazer o take 2 e um Tshabalala para o terceiro round.
O Mundial é deles. Dos que são craques todo o ano, mas também dos que o são de quatro em quatro anos. São esses que o Mundial não pode perder.
Confesso que sorri quando abri a caderneta de cromos deste ano e me apercebi que já conhecia muito menos sul-coreanos. Saber tudo era uma febre tão grande que ameaçava tirar a beleza ao Mundial.
Parte do encanto desta prova está em Tshabalala que, arrisco, poucos conheciam antes daquele míssil no jogo de abertura de 2010. E quem diz o míssil de Tshabalala, pode dizer o estilo de Alexi Lalas, os cinco golos de Salenko ou o cabelo de Valderrama. Tudo o que tenham feito nos seus clubes passa para segundo plano.
A imagem mental de Valderrama é de camisola amarela vestida, com Asprilla a correr na frente e Higuita e inventar atrás.
Não dá para lembrar Pierre Issa sem pensar no homem que fez dois autogolos contra a França. A Arábia Saudita vai ter sempre Al-Jaber como opção credível para o ataque e por muito que Oliseh tenha feito no Dortmund vou lembrá-lo sempre pelo golaço à Espanha.
O Mundial é a única forma de eu dizer algumas palavras em coreano. Mesmo que sejam Hong-Myung Bo, Ahn Jung-Hwan ou Ji-Sung Park.
O que espero para 2014 é, assim, que ainda haja espaço para o inexplorado. Para um golo em jeito de cartão-de-visita, uma celebração para colar no álbum, um desconhecido que floresce.
Não peço um Bergkamp com a classe em dois toques, num golaço à Argentina. Não peço Maradona a tirar tudo da frente, nem sequer um Ronaldinho a dar um chapéu a Seaman.
Prefiro uma arrancada de um qualquer Al Owairan, um Jorge Campos de equipamento berrante ou uma Panenka de Loco Abreu.
Quero, enfim, que o Mundial volte a ser dos pequeninos. Para continuar a ser grande.
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