Se há vergonha alheia, também deve haver orgulho alheio, certo?

É mais ou menos isso que sinto, nesta altura, por Paulo Fonseca. Não, especificamente, pela vitória na Taça, num jogo em que, sejamos sinceros, o Sp. Braga nunca foi superior antes dos penáltis, limitando-se a aproveitar que o adversário estivesse em modo autodestruição.

Mas, genericamente, por voltar a ser um vencedor.

Porquê? Porque acho que merece. E o «acho» é a palavra exata. Sou completamente insuspeito para analisar Paulo Fonseca porque, conferências de imprensa à parte, nunca troquei qualquer palavra com ele, que me lembre.

Mas acho que deve ser, usando uma expressão muito comum cá no norte, «um grande gajo».

E nem sequer penso isso assim há tanto tempo. Não vou ser hipócrita e dizer que sempre vi em Paulo Fonseca um treinador fenomenal.

Para terem uma ideia, na minha agenda o número dele surge como ‘Pinhalnovense-Paulo Fonseca (treinador)’. Portanto, quando lá apontei o contacto, achava que nunca o iria conhecer pelo nome próprio e ainda hoje sorrio quando passo naquela página, até porque o coloquei abaixo de Quinaz, que era a estrela da equipa, e de quem eu acreditava bem mais num futuro promissor longe dos ‘reality-shows’. Por aqui se vê o que eu percebo disto…

Ora, voltando a Fonseca, sei que fez um bom trabalho nas Aves e foi brilhante, histórico mesmo, na primeira passagem pelo Paços de Ferreira.

Depois veio o FC Porto e o mediatismo.

Sempre me foi difícil ver nele o discurso portista. A velha máxima feminina do «não é aquilo que dizes, mas a forma como dizes» entregava-o rapidamente. Não estava confortável.

Entre os pormenores que não ajudaram esteve a decisão de o esconder ao máximo. Até de uma apresentação oficial aos jornalistas. Falou no canal do clube. Depois dele, Lopetegui e José Peseiro tiveram direito a apresentação. Antes dele, Vítor Pereira, Villas-Boas, Jesualdo Ferreira, José Mourinho, até Del Neri ou José Couceiro. Todos mereceram pompa e circunstância.

Depois, claro, o plantel enfraquecido, erros próprios, a dura gestão de egos e, é bom dizê-lo, o crescimento do rival Benfica, afundaram-no aos poucos. À primeira derrota, em Coimbra, teve protestos no Dragão e tochas atiradas para o autocarro. Rezam as crónicas que, ao terceiro pedido de demissão, a direção portista aceitou.

E foi a partir daqui que me cativou definitivamente.

Primeiro, pelo bom humor. Alguém que saiba rir de si próprio é alguém saudável e, para o meu critério, de confiança. Fonseca foi enxovalhado e mostrou um poder de encaixe que só os «grandes gajos» têm. Sorriu para quem queria fazer sangue de um lapso. Ou dois. Ou três. Quem nunca confundiu Frankfurt com Dortmund que atire a primeira pedra.

Depois, pela humildade. Voltar ao Paços de Ferreira quebrou todas as regras. Um passo atrás, num local onde foi feliz, com praticamente a certeza da impossibilidade de imitar o que já tinha feito. Só um «grande gajo» para arriscar tanto.

Por fim, a solidariedade. A relação com o adjunto Nuno Campos é o exemplo perfeito. Soube, através do ReportTV, o melhor espaço de reportagem desportiva em português, que quando assinou pelo Desp. Aves partiu o seu salário para que o companheiro de sempre o acompanhasse, já que a direção avense não tinha fundos para mais do que o treinador principal. Atitude de «grande gajo», pois claro.

Paulo Fonseca era um dos personagens do futebol com quem gostaria de ter uma conversa de gravador desligado (ok, ligado permitia que vocês também lá ‘estivessem’ mas certamente não seria igual).

Saberia parte do que levou ao estado atual do FC Porto, por exemplo. Poderia conhecer mais de como se cria um grupo vencedor em Paços de Ferreira ou do que ainda pode crescer mais o Sp. Braga.

E, muito provavelmente, chegaria à certeza daquilo que, para já, é só um pressentimento: Paulo Fonseca ser mesmo um «grande gajo».

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