Admito: o título é provocatório. Visa trazê-lo até aqui pela curiosidade de perceber quem é ou o que passa pela cabeça deste que manifesta apreço por uma das unanimidades mais unanimes (redundância propositada) do futebol luso.

Agora que cá chegou, não vá embora. Vamos mesmo falar de golos. Sim, partindo de Postiga. É possível.

Há uma ideia antiga no debate lusitano em torno do futebol sobre a incapacidade gritante que há cá no burgo em fazer um ponta de lança. Alguém que meta a bola na baliza, leve a água ao moinho, a carta a garcia. Alguém que decida.

Portugal não forma jogadores que decidam. Portugal, esse país que conseguiu, na mesma eleição, votar maioritariamente na esquerda e dar a vitória a uma coligação de direita, pelos vistos, não é bom nisto de decidir.

Não somos capazes de, nas milhentas escolas de futebol que substituíram as ruas de outros tempos, encontrar alguém que trace uma linha reta entre a bola e a baliza. Alguém que simplifique. Faz algum sentido, confesso.

Afinal, somos o povo que contabiliza o tempo que vai demorar a não fazer algo quando o quer fazer. Confusos? Quem nunca ouviu: «Ora isto é arrancar, meia hora de caminho e depois chegar, não chegar, estamos lá em 40 minutos.» Portando são uns 10 minutos só para «não chegar» onde se quer chegar.

No meio disto, como haveríamos de ser bons a encontrar quem atalhe? Muito provavelmente, os golos portugueses perdem-se em eventuais contas do «marcar, não marcar».

Vem isto a propósito das recentes chamadas de Lucas João e Nelson Oliveira à seleção nacional. Fernando Santos está a tentar, a experimentar coisas antes da fórmula final. Nada me move contra ambos, embora admita que me faz alguma confusão que a Meca possa estar, afinal, na II Liga inglesa.

A seleção vai testar, agora, dois avançados que, juntos, têm quatro golos no campeonato em que competem. Menos do que Orlando Sá, sozinho, na mesma Liga.

É impossível, então, não lembrar Postiga. Ou Nuno Gomes. Ou Pauleta. Esse trio que ocupou o lugar durante largos anos por entre o nevoeiro do Portugal que não forma pontas de lança, ideia surgida algures no ocaso de Gomes, Nené ou Manuel Fernandes.

Um mito que Domingos, Cadete, os adaptados Sá Pinto ou João Pinto foram tentando, com maior ou menor sucesso, combater. Mito que Pauleta, que foi, claro está, o grande culpado por Portugal não ter ganho o Euro 2004 (se não foi parecia, se bem me lembro), combateu com mais golos do que um tal de Eusébio.

Pauleta, o tal que nunca jogou num grande em Portugal. O que é excecional quando as coisas correm bem mas fatal quando correm mal: é como os árbitros, ninguém os defende.

Tivemos Nuno Gomes com golos decisivos e um Europeu de sonho. E Postiga, o tal que também não servia, mesmo sendo o segundo melhor marcador no ativo (a Índia conta?) atrás de Ronaldo.

Todos eles tiveram de marcar golos com o peso do país que não forma pontas de lança em cima. Todos eles tiveram de conviver com uma multidão à espera de um erro para os colocar em causa. Todos eles sobreviveram e deixaram marca.

O problema não é, portanto, a aposta. É a repetição de tentativas. Nelson Oliveira está a «chegar, não chegar» desde 2011. Se é por aí o caminho, então marche-se contra os canhões, como noutros tempos.  Se é só para ver no que dá, então que se abra o leque. 

Para que se encontre um jogador que decida, falta o primeiro passo: decidir qual.

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