Tirem-me, por favor, uma dúvida. As pessoas costumam lembrar a última imagem ou a primeira impressão é a que fica?
 
Dava-me jeito que o mundo se decidisse neste ponto para poder perceber o que foi, afinal, Renivaldo de Jesus. Pena, para os homens da bola.
 
O mundo está cheio de fenómenos e Pena tem lugar cativo entre eles. Percebê-lo, estudá-lo, defini-lo é missão para tese aprofundada. Explicá-lo é um exercício complicado. O quadrado da hipotenusa, a equivalência massa-energia, o algoritmo de Kruskal, o eclipse de Pena. Por ordem crescente de dificuldade.
 
De fenómeno a pé de chumbo, de goleador a azarão, de titular a suplente de Hélder Postiga. Um Fernando Torres antes de Fernando Torres. Um Acosta ao contrário.
 
Penar, diz o dicionário, significa, entre outras coisas, «causar sofrimento». À luz de Renivaldo deveria ter um apêndice: «causar sofrimento depois da primeira época».

Até lá, foi só festa. Golos e mais golos. 21 na Liga. O melhor marcador. Jardel, quem? Não faz falta. Não fazia ao FC Porto nem a Octávio Machado que, contou Pinto da Costa na altura, não quis a sua contratação, em 2001, porque implicava mudar um modelo que estava a dar resultado. E porque tinha Pena.
 
O problema é que não tinha o Pena dos 21 golos nem das nove jornadas seguidas a marcar (ainda hoje é recorde no FC Porto). Tinha o outro Pena. E por esse, se calhar, valia a pena mudar o modelo. Por ele e pelos 42 golos de Jardel naquele campeonato pintado a verde e branco.
 
Pena, no fundo, foi um dos responsáveis pelas conquistas europeias de Mourinho. Sem Pena não teria havido Sevilha nem Gelsenkirchen.
 
Reparem: se não houvesse Pena, Octávio não teria vetado Jardel e, provavelmente, teria sido campeão nesse ano. Com um FC Porto ganhador, não haveria troca de treinador. Mourinho não chegaria e sem ele as glórias europeias também ficariam mais longe.
 
Não há grandes dúvidas: Pena foi o efeito borboleta em forma de jogador. Um bater de asas que provocou um furacão. Abençoado eclipse dirão os portistas. Benditos golos falhados. Felizes os momentos confrangedores.
 
Dois dias antes de o apresentar, Pinto da Costa disse ter «pena que não haja Pena». Os portistas não deverão ter. Porque com ele não haveria Gelsenkirchen. E, isso sim, seria uma pena. Daquelas capazes de criar sofrimento.

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