Não temos estádios cheios, jogos grandes nas tardes de domingo, nem árbitros vestidos de negro e só. Não temos pelados, nem resumos em sinal aberto nas noites de domingo, nem chuteiras vestidas de negro e só.

Temos um Benfica patrocinado por uma empresa dos Emirados e um FC Porto que veste de castanho. Temos clubes cada vez mais fechados, do maior ou mais pequeno.

E, ainda assim, esta é a Liga mais «à antiga» dos últimos largos anos. Porquê? Temos incerteza.

A incerteza é, depois do erro, o melhor defeito do futebol. Nada ganha ao erro, claro. Jogos com erros são os melhores. Jogos perfeitos, sem erros, normalmente dão empates cinzentos aos quais virou moda chamar «jogos de extrema riqueza tática».

Dizia eu, então, que a incerteza é o que tornou este num campeonato à antiga, daqueles que nos enchem as memórias e que pareciam engavetados e fechados à chave desde que Jorge Jesus rumou ao Benfica. Sim, desde esse momento essencialmente.

Nem é opinião, é factual: os números ajudam a provar o aumento da eficácia dos campeões, e até dos candidatos, desde então.

No primeiro ano de Jesus no Benfica, o Sp. Braga, que foi segundo, somou pontos suficientes para ser campeão em outras temporadas. Nos três anos seguintes, o FC Porto perdeu um jogo em 90, com a agravante de o tri ter sido conseguido face a um Benfica que, nessa época, também só perdeu um, frente ao campeão e nos descontos.

Nos últimos dois anos, o Benfica voltou a ser campeão com alto índice de aproveitamento de pontos e o FC Porto de Lopetegui também somou os suficientes para festejar noutros anos.

Quando parecia que nada poderia aproximar os primeiros dos restantes numa Liga, como várias por essa Europa fora, desigual, Jesus atravessou a segunda circular.

Com isso, obrigou o Benfica a aprender novos princípios numa nova alçada e fez o Sporting assumir o salto qualitativo que se adivinhava desde a excelente campanha de Leonardo Jardim e que Marco Silva coroou com uma Taça de Portugal.

O FC Porto, porque assim tem de ser (pelo menos é a ideia que vende) ficou sem mais de metade da equipa titular e os reforços, pese a qualidade evidente em quase todos, não mostraram ainda o mesmo que os que partiram, salvo uma ou outra exceção.

Ora, tudo somado dá a tal incerteza que parecia escondida para sempre. Quando um grande joga fora, sobretudo, alguém arrisca dar vitória certa?

Como, se o campeão perde em Aveiro, uma mini-Luz que o Arouca prefere a Arouca? Como, se o FC Porto ainda não sabe ganhar na Madeira e desperdiça com um Moreirense que ainda não venceu ninguém o embalo de confiança que André André deu a minutos do fim do Clássico? Como, se o Sporting não passa no Bessa onde o Boavista ainda dá os primeiros passos para se adaptar a um relvado a sério?

E a questão para queijinho é simples: isto é mau? Eu gosto. Porque o erro repartido é infinitamente melhor que a ausência de erro.

Mais tarde ou mais cedo, acredito, a lógica irá imperar. Os grandes perderão menos pontos, o campeonato será mais igual. Para já, pelo menos, dá para matar saudades.

Coloquem um chapéu no guarda-redes, tragam-me um saco com tremoços e uma cerveja com álcool. A bola está de volta.

«Cartão de memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Por vezes sério, por vezes leve. Como o futebol, no fundo. Pode questionar o autor através do Twitter.