Está certo. Temos as pizzas, as lasanhas, mais o farfalle, tagliatele, ravioli e o kunami fresquinho. No fundo, ficamos com a comida. Peneirou-se tudo o que de lá trouxemos e só caiu o que serve para comer. O resto ficou na rede. Como o futebol. Ou a música.

Tivemos Sabrina Salerno a puxar pelos 'boys' portugueses, num tempo em que estes brincavam na rua e não iam para o governo. Já se ouvia Toto Cutugno. Quem? La chante mi cantare e está tudo dito.

Como se já não houvesse música de gosto duvidoso suficiente em Portugal, nos anos 90 importamos os Un’Altra Te do Eros Ramazzoti, conhecemos o Con te Partiro do Andrea Bocelli e tiramos a Laura Pausini da sua La Solitudine. Dançávamos, meio felizes, meio ridículos, o L’ombelico del mundo.

Passamos a achar que a música italiana tinha piada. Cantava-se como uma criança que finge falar línguas. Ouvia-se e reproduzia-se o som na esperança de acertar a palavra. Um pouco como Jorge Jesus a falar português: sai sempre algo, no mínimo, parecido.

E depois havia o futebol. Che bella cosa era seguir o Calcio…

Houve Maradona a abrir portas, mas também o Milan dos holandeses quando o mundo da bola ainda despertava para a globalização.

Multiplicavam-se as equipas a seguir. Era a Sampdória de Lombardo, Mancini e Vialli; a Juventus de Baggio, Conte e Vialli outra vez. O Parma de Crespo, Zola ou Cannavaro. A Fiorentina de Batistuta, Effenberg ou Edmundo. A Lazio de Nedved, Vieri ou Marcelo Salas. O Inter de Ronaldo, porque não precisa de mais ninguém. Até a Reggiana para ver Paulo Futre.

Por falar nisso, exportávamos jogadores. Rui Barros, Fernando Couto, Rui Costa, Dimas, Sérgio Conceição, Nuno Gomes para citar só mais alguns. Admirávamos os talentos que despontavam, como Del Piero. Comentávamos os jogadores que se destacavam mesmo que fora do campo. Por muito que tenha feito com a bola no pé, Ravanelli nunca se livrou de ser o jovem de cabelos brancos.

Ouvíamos a música deles enquanto olhávamos para o futebol. E, algures neste processo, alguém carregou no stop.

A música ficou para as coletâneas dos anos 80 e 90. No futebol alguém gritou que o rei ia nu e aquilo era defesa a mais para quem vive de golos. Cresceram outros mercados e deixamos de lhes ligar.

Não ouvimos Eros Ramazzotti nem queremos saber quanto ficou um Hellas Verona-Génova. Por cá, já nem o que  vendem como italiano tem raízes no país da bota. Como Osvaldo. Que pode ser Pablo, Dani, Pirata, Johnny Depp mas nunca um italiano vero.

Esquecemos Itália. Mas talvez não seja para sempre. Paulo Sousa, um dos que partiram à conquista no período áureo, faz pela vida para reabrir a cortina e cantar un’altra te. Outro tu, na nossa língua. Outra Itália.

Mais fresca, mais viva. À boleia de uma Fiorentina que morde os calcanhares aos grandes. Que já foi mais fulgurante mas segue no comboio da frente. Que continua Viola e deixa-nos vontade de ver no que vai dar.

Vontade de perceber se o futebol de Itália ainda tem espaço para despertar paixões em 2015. E com isto não me refiro aos fiéis. Aos que se apaixonaram e nunca desistiram. Aos que seguem o Calcio na alegria e na tristeza, na euforia e nos empates a zero.

Despertar paixões num novo público. O público dos Ronaldos, dos Messis, dos Bayern Muniques desta vida. Tocar no coração de quem nunca ouviu o anasalado trautear de Ramazzotti nem um jogo em diferido no final de uma tarde de domingo em família.

É essa a missão que tem Paulo Sousa. Fazer brotar espírito italiano em quem se fica por uma margherita.

Por mim, tem carta-branca. É como Marco Bellini: ele é que sabe.

«Cartão de memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Por vezes sério, por vezes leve. Como o futebol, no fundo. Pode questionar o autor através do Twitter.