Dizer o óbvio pode provocar muito barulho.

Rúben Amorim disse recentemente o que basicamente já toda a gente sabia: os jogadores de futebol não dizem o que pensam. Ou, pelo menos, não dizem tudo o que pensam.

O que é pena.

As passagens do ex-jogador do Benfica pelo «Maluco Beleza», de Rui Unas, e pelo Maisfutebol mostraram, fossem precisas mais provas, que vale a pena ouvir, sem filtros, os verdadeiros protagonistas. É, precisamente, o que mais falta faz ao futebol português: ouvir os homens por dentro do fenómeno e não aqueles que habitam em torno dele.

Acrescentou ainda Rúben Amorim, pouco depois, que o excessivo destaque que os jornalistas dão a cada ação ou palavra de um jogador de futebol está por trás dessa redoma, normalmente, imposta pelos departamentos de comunicação dos clubes ou assessorias privadas.

O que é um erro.

Não conheço nenhum jornalista que prefira escrever uma notícia a partir de algo que Cristiano Ronaldo escreveu no Twitter do que a partir de uma conversa com o próprio. Se houver, sublinhe-se, não é jornalista.

Isso resume a ideia toda: houvesse acesso aos jogadores e ninguém precisaria multiplicar por mil os 140 caracteres de um tweet.

É uma guerra simples de explicar: os departamentos de comunicação em Portugal trabalham para esvaziar ao mínimo admissível o material dos jornalistas, que trabalham para maximizar até ao aceitável o que, temos de admitir, muitas vezes é pouco mais de nada.

Isto oferece, naturalmente, um serviço pior ao leitor que, várias vezes alheado da realidade, interpreta como má vontade, desinteresse ou interesse paralelo o trabalho que lhe é apresentado.

E, que fique claro, este não é o cenário exclusivo dos três grandes: é o que acontece, hoje em dia, em quase todas as equipas da Liga e II Liga. E a introdução dos clubes nos meios de comunicação, com a criação de canais próprios que agradam infinitamente mais a todos os que são adeptos e não leitores (a esmagadora maioria), faz deste um ciclo que parece não ter fim.

Recentemente aconteceu, por exemplo, um caso paradigmático com André Gomes. Um jogador que rejeita sucessivos pedidos de entrevista, inclusive a jornalistas portugueses com muitos quilómetros nas pernas, chamou – ele ou a assessoria - «jornalismo», entre aspas, ao destaque que foi dado à sua declaração em que assumiu que o FC Porto era o seu clube de infância.

André Gomes, como Rúben Amorim, não deu novidade nenhuma a quem segue a sua carreira. Mas, dito pelo próprio, naturalmente, a informação ganha outro peso. Sobretudo porque não se conhecem grandes entrevistas ao médio, exceção feita às obrigações de clube e seleção e um ou outro compromisso comercial.

Lá está: não acredito que haja um jornalista que fique satisfeito apenas em reproduzir o que André Gomes disse num magazine da Liga espanhola, quando comparado a uma putativa conversa onde o tema pudesse ser devidamente enquadrado e explicado

André Gomes tem, e isso que fique claro, todo o direito de só falar quando e como quiser. Mas não fica bem a quem mostra tão pouco respeito pelo trabalho dos jornalistas opinar sobre o que deve, ou não, ser destacado. Mesmo que, como é provável, a responsabilidade seja apenas do gestor de redes sociais.

Eu, que adorei ouvir Rúben Amorim, também gostava muito de ouvir o que André Gomes tem para dizer. E todos os demais. Porque a bola é deles e o foco são eles. Parece óbvio, não é?

Mas, lá está, dizer o óbvio pode provocar muito barulho.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.