- … Lembras-te daquele jogo contra a CUF, no Barreiro, em que o Eusébio resolveu aquilo com dois pontapés, Chong Duy? Fugimos nós do bombardeamento dos americanos para vir ouvir o relato... Ah, bons tempos de Viet Cong... O nosso Benfica tinha uma super-equipa naquela altura.

- Olha, gostava também do Simões, era rápido o gajo… Comenta agora na televisão. Ainda no outro dia lhe ouvi umas coisas acertadas sobre o Jesus.

- Qual Jesus?

- O treinador! Mas já não somos budistas ou quê?

- É verdade, pá. O Jesus. Olha, bem nos lixou na Luz. Juntámo-nos ali no café do senhor Hong, a comer uma malga de phô de galinha e a mandar abaixo umas litradas de vinho de arroz enquanto víamos o jogo. Estava cheio aquilo.

- Claro, em dias de dérbi, já se sabe. Junto ao mercado Dong Xuan aquilo parece o "Terceiro Anel".

 
Estava animada conversa entre dois benfiquistas dos quatro costados no Old Quarter de Hanoi.

Na verdade, não estava ( spoiler alert). Inventei-a.

O diálogo foi-me sugerido pelo famoso estudo de 2001 da empresa Vox Pop que, em colaboração com a secretaria de Estado das Comunidades e o Instituto Nacional de Estatística, concluiu existirem 14 milhões de benfiquistas espalhados pelo mundo.

É com base nestes dados que, 14 anos depois, o Benfica pede uma indemnização de 14 milhões de euros ao seu antigo treinador.

Um euro por cada adepto; e fazendo fé nos números há 116 790 adeptos encarnados na Indochina. Assim mesmo, tudo por atacado, sem distinção de país: do Vietname ao Laos, passando pelo Cambodja, onde de vermelho eu só conhecia os Khmers, são dois estádios da Luz.

Se for condenado, só à conta da Indochina Jorge Jesus desembolsa logo meio salário.

Estarei a brincar com o Benfica? Não, não estou. Estou apenas a satirizar estudos que têm pouco estudo a sustentá-los. Até porque o Benfica é, de facto, enorme e para provar a sua grandeza não precisa, certamente, de gente a repetir números sem raciocinar sobre eles.

Ou então estarei terrivelmente enganado.

Se assim for, a próxima Eusébio Cup tem tudo para ser um quadrangular no vietnamita Estádio Nacional My Dinh. Seria bonito ver 40 mil nas bancadas a agitarem cachecóis do "Glorioso"… E o Jonas resolver com dois pontapés uma final frenética contra os cambodjanos do Svay Rieng.
 
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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.