0-3 é um resultado comum entre Maldivas e China, sobretudo se a seleção da casa não se importar de ser forasteira, trocando o pequeno estádio Rasmee Dhandu, na capital Malé, pelo Olímpico de Shenyang, cinco vezes maior e em território do inimigo.

A 18 de setembro deste ano, com a anuência da FIFA, a China jogou em casa um jogo que deveria de jogar fora e que foi resolvido com dois golos de Yu Dabao, que em Portugal chegou até a vestir por três vezes a camisola do Benfica mas não deixou saudades sequer nas passagens por Mafra, Desportivo das Aves e Olivais e Moscavide.

Apesar da China de Dabao ou das Maldivas que já foram do Professor Neca, o jogo em que a seleção n.º 84 do ranking FIFA venceu a n.º 166 seria só mais um dos 282 que já se disputaram na qualificação para o Campeonato do Mundo de 2018. Ainda assim, três meses depois, vale a pena recuperá-lo porque por estes dias quase centena e meia de líderes mundiais discutem na Cimeira do Clima, em Paris, aquilo que é tido como uma última oportunidade para salvar o planeta.

O principal desafio é o de convencer os maiores poluidores mundiais, sobretudo a China, a reduzirem as emissões de gases do efeito de estufa, que provocam o aquecimento global e o consequente degelo dos glaciares que leva à subida do nível dos oceanos.

Se tal não acontecer, o aumento da temperatura a nível global até ao final deste século será superior a dois graus, os efeitos no planeta serão irreversíveis e a previsível subida de um metro do nível das águas fará a sua primeira vítima: as Maldivas, país-arquipélago com 300 mil habitantes e mais de mil ilhas, que estão em média um metro acima do nível do mar, desaparecerá do mapa.

Mohamed Nasheed, ativista e primeiro presidente democraticamente eleito das Maldivas, chegou a fazer um conselho de ministros subaquático num alerta desesperado sobre o que qualificou como «crime contra a humanidade». Foi em 2009. Seis anos depois, Nasheed é agora preso político no seu próprio país, que voltou a ser uma ditadura e entretanto afundou-se um pouco mais.

Se o gigante industrial chinês continuar a poluir, condena ao desaparecimento um país inteiro, ainda que involuntariamente. Se esse trágico cenário se concretizar, o menor problema será o de não haver um China-Maldivas nas eliminatórias do Mundial de 2082, a não ser que com o pequeno estádio de Malé já submerso uma seleção sem pátria faça todos os seus jogos fora.

Em março do próximo ano, a China, agora como legítima dona da casa, voltará a receber a modesta seleção do Índico. Se vencer, irá manter aceso o sonho da repescagem para o Mundial de 2018.

Já os maldívios, como esperado, estão eliminados do Mundial. Será que a China contribuirá também de forma decisiva para os eliminar deste mundo?


Veja o conselho de ministros subaquático nas Maldivas:

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.