Este sábado, quando forem 15h15 em Portugal (16h15 na Catalunha) e tiver início o clássico mais desejado (Barcelona-Real Madrid), tudo será diferente do que era há uma década. Qualquer semelhança, aliás, será mera coincidência.

O realizador responsável pela transmissão televisiva planetária já não vai salivar à procura daquele momento em que os olhares de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo se cruzavam naquele momento pré-jogo em que os protagonistas se cumprimentavam no instante anterior ao início da grande batalha.

Os maiores jornais desportivos deixavam tudo de lado, neste dia, para se dedicarem ao «Super Clássico» que fazia estremecer a Europa. E isso mudou. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo assumiram durante longos anos os papéis principais de um filme com sequelas sem fim onde paixão e ódio se misturavam, muitas vezes, numa combinação explosiva. Havia, até, atores secundários como Xavi, Iniesta e Piqué de um lado. Casillas, Pepe e Benzema do outro. Um filme de luxo, sempre garantido, que não raras vezes se repetia na Supertaça de Espanha (a duas mãos), na Liga (claro!), também na Taça do Rei (a duas mãos, igualmente) e, como chegou a suceder, na Liga dos Campeões. Com um bocado de «sorte» (e aconteceu!), Barcelona e Real Madrid poderiam defrontar-se 8 (!) vezes numa só temporada. Mais do que isso: chegou a acontecer jogarem entre si 4 (!) vezes em pouco mais de um mês.

Era o tempo em que Messi e Ronaldo tinham, todos os anos, uma outra luta à parte: a Bola de Ouro. E este era também o tempo, vale a pena lembrar, em que Pep Guardiola encantava à frente daquela que ainda é reconhecida, por muitos, como a melhor equipa da história do jogo, até ao momento em que José Mourinho aceitou entrar no «filme» para baralhar as contas. Foi, no fundo, um tempo único e irrepetível.

A saída de Cristiano Ronaldo, primeiro, para Itália. O período Covid, depois, que transformou alguns destes clássicos em tristes e penosos clássicos que mais pareciam treinos «rasgadinhos». E, por fim, a saída de Lionel Messi para Paris, que viria a ser a estocada final num duelo que, hoje, não provoca na Europa - e no Mundo - nem 10 por cento da excitação que até há pouco tempo nos obrigava a alterar a agenda para não perder um jogo que era, sempre, história diante dos nossos olhos.

Era imperdível porque se tratava verdadeiramente do maior espectáculo do Mundo. Um clássico que atingiu uma dimensão social poucas vezes conhecida na história do Desporto. Mas, sabia-se, era inevitável que, um dia, a queda acontecesse. E foi dura. Objetivamente, a perda de espaço (e interesse) mediático deste jogo é, antes de mais, uma derrota da própria Liga espanhola, que teve tempo suficiente para preparar o pós-Messi/CR. Não o fez. Não houve uma ideia, não houve um rasgo criativo, nem um esboço de qualquer solução que pudesse tentar ajudar a preservar o estatuto dominante que esta Liga ostentou durante uma década. E, por isso mesmo, La Liga está agora a pagar a fatura.

O futebol e a sua disposição geopolítica também sofreram uma profunda alteração nos últimos anos, que não ajudou à concentração do interesse que, um dia, Barcelona e Real Madrid açambarcaram. O Mundo passou a olhar subitamente para a Arábia Saudita e aguarda ainda para perceber o que vai acontecer na MLS, em forma de segunda vaga, após a chegada de Lionel Messi. Pelo meio, o Qatar organizou um Campeonato do Mundo. A Argentina tornou-se a seleção número um do Mundo e os novos "donos do jogo" estão espalhados cada vez por mais países, como o mostram as organizações conjuntas de Europeus e Mundiais.

Em suma: este Barcelona-Real Madrid não deixará de ser o principal acontecimento desportivo do fim-de-semana. Mas uma coisa são as câmaras procurarem aqueles dois segundos em que Messi e CR se cumprimentam, outra é ver João Félix trocar a camisola com Vinicius Jr. É bom, mas nunca será a mesma coisa. E isso reflete-se em tudo. Na audiência global, no negócio gerado pelo próprio clássico e até na dificuldade, para o consumidor, em compaginar o interesse daqueles 90 minutos com a sempre espectacular e apelativa Premier League, por exemplo. Como se não bastasse, nos dias que correm, até as notícias que chegam do Médio Oriente conseguem desviar público daquilo que vai acontecer na Catalunha. Para agravar, como se já não bastasse, o jogo nem sequer tem lugar no mítico Camp Nou (em obras), mas no frio e incaracterístico Olimpic Luuís Companys. Vai ser bom? Sim, vai. Mas acabamos como começámos: o clássico já não é o que era. E, provavelmente, nunca mais voltará a ser.