«Perguntem ao Carlos».

A frase que ficou da participação portuguesa no Mundial 2010, dolorosa até vermos o que é um verdadeiro desastre quatro anos depois, foi solta por Cristiano Ronaldo e ditou uma espécie de rompimento com um dos seus mentores de outros tempos: Carlos Queiroz.

Desamparado, envolto num polémico processo com a autoridade nacional antidoping e com cada vez menos apoios federativos, acabou por cair, depois de deixar a seleção na célebre fase do piloto automático. Levou com as culpas de dois resultados negativos em que não esteve no banco porque foi impedido de lá estar pela própria Federação ,e foi mandado embora, sem honra nem glória, logo a seguir.

Não tive dúvidas na altura e tenho ainda menos agora: todo o processo foi muito mal gerido. Não tive dúvidas na altura e tenho ainda menos agora: Queiroz daria a volta por cima.

Provavelmente a maior ingratidão histórica dos portugueses é para com o homem que conduziu o país a dois títulos mundiais e, talvez mais importante ainda, lançou as bases da geração de ouro que ainda hoje orgulha os portugueses.

Quando voltou, mesmo que não tenha corrido, nem de perto nem de longe, tão bem, voltou a chamar a atenção para a importância das seleções jovens, abandalhadas na era Scolari em favor de uma fonte de rendimento que ninguém projetou como sendo esgotável. Como todas são.

A imagem de Carlos Queiroz junto dos portugueses ficou muito mal tratada após a traumática experiência na África do Sul e nos meses que lhe seguiram. Queixou-se muito, nem sempre nos tons e meios certos. Não me parece, à distância, uma pessoa afável e vejo, de quando em vez, alguma conspiração excessiva.

Conto uma história.

Em 2014, estive numa conferência de imprensa do Irão, antes do jogo com a Argentina, no Mundial do Brasil. Queiroz tinha empatado o primeiro jogo, tinha pela frente a mais forte seleção do grupo e perguntei-lhe se sentia que um brilharete no Mundial (e esteve quase, quase a empatar a finalista Argentina, não fosse um tal de Messi decidir sobre a hora...) seria uma boa resposta para a forma como tinha sido afastado da seleção nacional quatro anos antes. Olhou-me com cara de poucos amigos e disse que o estava a envergonhar ao tocar num assunto que a maioria das pessoas presentes na sala não conhecia. Fiquei eu, naturalmente, mais envergonhado pela resposta.

Esta constante atitude de desafio, mesmo quando, como era o caso, não havia qualquer convite para isso, não faz, naturalmente, Queiroz ganhar «amigos». E a conclusão parece simples: nesta altura, já não me parece que esteja muito interessado nisso...

Vai, antes, provando qualidade em campo. Principalmente como selecionador, pois, é certo, falhou como treinador de clube, sobretudo no projeto do Sporting, algo que já assumiu, e do Real Madrid, o maior desafio da carreira, provavelmente, traído por uma reta final verdadeiramente desastrada. Ficou, para sempre, como o homem de confiança de Alex Ferguson que, já se sabe, nunca foi maluco. Alguma coisa entendia de futebol...

Agora, Queiroz volta às manchetes do outro lado do mundo, numa relação conturbada que vai tendo final feliz. Entre pedidos de demissão e volte-faces, foi ganhando jogos (ainda nem sequer sofreu um golo na fase decisiva) e, pela primeira vez, o Irão estará em dois Mundiais seguidos. Ambos pela mão do português.

O mesmo que é, a partir de agora, figura dos livros de recordes. Ao lado do inglês Walter Winterbottom, que ultrapassou quatro fases de apuramento para o Mundial, entre os anos 50 e 60, é recordista de apuramentos.

Uma medalha que, também pela distância geográfica, provavelmente não lhe trará, no seu país, o reconhecimento justo. Queiroz já pouco deve ligar.

Ainda assim, deixo aqui o meu, envergonhado, mas agora só pela humildade: parabéns professor.

A partir de agora, quando perguntarem como se passa uma fase de apuramento para um Mundial, faz todo o sentido que respondam: «Perguntem ao Carlos».

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.