Quando marco um golo nas peladas de amigos faço questão de gritar bem alto: GOLO!

Talvez porque o talento não abunde e não sejam assim tantos ou mesmo para deixar bem vincado que foi uma parte qualquer do meu corpo a fazer a bola levar aquele caminho. O certo é que não deixo a oportunidade passar em claro.

E sou, como ficou claro pela introdução, um amador puro, em todos os sentidos da palavra. Mas tenho pelo golo o mesmo respeito que Nenem Prancha, antigo treinador brasileiro, tinha pelos penáltis: «É uma coisa tão importante que quem devia marcar é o presidente.»

Tendo isto tudo presente confesso que não entendo como alguém possa condenar o excesso na hora de celebrar o objetivo-mor do futebol. Aconteceu esta semana após o jogo do FC Porto, como outrora com Benfica e Sporting. Lembro-me de um golo de Marcos Rojo em cima da hora, ao Nacional, celebrado em ambiente de loucura. Ou da camisola despida de Joel Campbell ao empatar o jogo com o Tondela, no último lance do jogo, já este ano. Como, do outro lado, da corrida de Jesus, ainda de vermelho, a festejar o golo de Lima ao Gil Vicente, num jogo em que aos 90 minutos o Benfica perdia. Ou da loucura pelo golo de Fábio Coentrão ao Marítimo, há mais tempo, também virando um jogo na reta final, na Luz.

O último exemplo é então azul e branco, com Rui Pedro. Alegria desmedida, lágrimas, correria, camisola despida, abraços de grupo. Houve de tudo. Excesso? Como em todos os casos citados anteriormente, só ali vejo honestidade.

De quem prova o sabor do golo e, acima de tudo, de quem sente a importância do golo. Reduzir o pontapé de Rui Pedro ao golo que deu a vitória sobre o Sp. Braga é passar um atestado de estupidez a todos os que vão seguindo o futebol. Há ali muito mais concentrado: o jogo que estava quase a acabar, a montanha de minutos sem marcar, a oportunidade de reentrar na luta pelo título, o lado sobrenatural de um (mais um) jogo a acertar em todo o lado menos na baliza, até o facto de ser um miúdo a descobrir o caminho.

Surreal era não festejar assim. Neste ponto, confesso: faz-me muito mais confusão jogadores que marcam e não celebram.

Balotelli disse um dia que não festejava porque um carteiro quando entregava uma carta também não o fazia. A diferença é que aquela carta, quanto muito, traz alegria a quem a recebe e, possivelmente, a quem a enviou. O golo é do povo, mesmo que separado e unido em torno de uma cor.

Nos últimos dias comentou-se muito o lado excessivo dos festejos do FC Porto. Curiosamente, mesmo não sendo espectador assíduo dos programas de debate televisivo, em alguns que vi reparei que o tema só era trazido por quem nunca jogou futebol. Quem jogou, quem provou o sabor de um golo, quem sabe medir a importância de um triunfo, reagiu de forma unânime: festejar é reação natural e normal. Medir é a mesquinhez de quem acha que os jogos são diferentes mas pede a mesma atitude em todos.

Eu continuo a preferir a loucura em torno de Rui Pedro, a corrida de Jesus pela linha em busca de Lima, Campbell de tronco nu do que o cinzentismo de quem acha que há limites para a alegria e que esta deve ser medida pelo formato em que se insere.

A minha avó dividia a roupa que vestia na «do domingo», dia de festa, e a «da semana», dias de trabalho. É o que querem fazer com os festejos: guardar a alegria para os momentos mais solenes. Deixo-vos uma novidade: é possível ser feliz duas vezes. Três. Quatro. As que forem precisas.

Por isso, digo a Rui Pedro, a Pizzi, a Bas Dost, a quem for: foi golo? Deitem tudo cá para fora. Festejar é como o dinheiro: nunca é de mais.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.