Deixem-me chorar! Deixem-me esvaziar os pulmões! Estive a meio do túnel e voltei. A luz incandescente chamava-me e voltei. Deixem-me voltar a enrolar os negativos das imagens da minha vida. Deixem-me respirar! Deixem-me! Deixem-me estar neste quarto escuro em silêncio. Festejem vocês! Íamos sendo eliminados por um pitbull com uma coxa feita de retalhos, que crescia brutalidades sempre que tentávamos entrar no seu jardim. A Mary Shelley teria agradecido a imagem quando escreveu a sua obra-prima. Estivemos perto de cair aos pés do meu amigo Alexis, do Bravo que vai defender a minha baliza para o ano. De um Sampaoli que não vai em Nossas Senhoras do Caravaggio, mas sim em organização tática. De um Chile incrível! O Júlio salvou-nos na segunda parte.  Viram aqueles fantasmas a correr nas bancadas ? A trave impediu o Mineirazzo, por um tal de Pinilla, que andou toda a vida a lutar para ser gente.  No último minuto do prolongamento! Com o estádio de boca aberta e as mãos na cabeça. As pernas deles pesavam, mas as nossas não respondiam. As minhas não respondiam. Deixaram de comunicar com o cérebro depois do intervalo. O Hulk era o único que corria, tinha esquecido aquele mau passe no golo do Ghiggia. Desculpem... do Alexis. E a mão que o Howard Webb viu, e em que mais ninguém na grama acreditou. Qualquer outro árbitro não teria tido coragem! Mas o Hulk tem outros fantasmas que não os nossos, se calhar mais fáceis de ultrapassar. Nem deve saber bem quais são os nossos. Dele nunca gostaram, é uma luta diferente. O Fred não se mexia. O Jô também não. Mas isso não é bem uma novidade. Não costuma ser preciso. O Óscar também devia estar a lutar com o seu próprio túnel. Depois, vieram os penáltis. Começou bem, mas voltámos a tremer. O Bravo também começou a encaixar com os remates. Mesmo assim fiz o meu. Se houvesse drama tinha feito o mínimo: não comprometera. Que sufoco! Valeu-nos o poste. O Jara, que tinha feito o autogolo no 1-0, já ia a festejar o 3-3, quando a bola passou o Júlio e acertou no pau. No pau outra vez! E inha acabado! Já não via fantasmas, e podia respirar fundo. Podia finalmente deixar-me cair e aceitar a sorte. Não tenho nada para festejar. Suores gelados escorrem-me pelas costas. Sinto a pressão a entupir-me os ouvidos. Apaguem as luzes, deixem-me chorar!

«Não crucifiquem mais o Barbosa» é um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo.  É inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo». O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na  MFTotal. Pode segui-lo no  Twitter ou no  Facebook.



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