Fernando Santos é a escolha certa para suceder Paulo Bento.

Por duas razões
aparentemente simples : porque é o treinador português com melhor currículo para assumir neste momento o cargo (José Mourinho, na entrevista que deu ao Maisfutebol e à TVI deixou claro que não poria a hipótese de ser agora selecionador) e porque o excelente trabalho que realizou, nos últimos quatro anos, na seleção grega lhe confere credenciais objetivas para dirigir, com autoridade e perspetivas de bom aproveitamento, a Seleção Nacional.

Não sendo um treinador especialmente amado pelos adeptos dos três grandes, o sucessor de Paulo Bento na Seleção consegue reunir
consenso quase inédito num país «clubitizado» : os benfiquistas ainda hoje acham que Vieira se precipitou em despedi-lo; os portistas estão-lhe gratos pelo «penta» e, apesar de de duas épocas seguintes sem o título nacional, já se lembraram dele para um possível regresso (antes da solução Lopetegui, houve quem defendesse a escolha Fernando Santos, na altura no Mundial, mas já de saída da seleção grega); os
sportinguistas só o tiveram como técnico por uma época e logo no ano super FC Porto campeão europeu de José Mourinho.

Havia outras hipóteses interessantes, mas nenhuma delas tinha a força de Fernando Santos.

Jesualdo Ferreira talvez fosse o que chegasse mais perto em currículo e perfil: oito anos mais velho (tem 68, sendo que o novo selecionador completa 60 no próximo dia 10 de outubro), Jesualdo também treinou os três grandes e no FC Porto até teve mais títulos do que Fernando Santos. Mas, em comparação, o percurso de Santos na seleção grega (com a presença nos quartos do Euro-12 e nos oitavos do Mundial-14) dá-lhe maiores credenciais para assumir a liderança técnica da Seleção Nacional.

José Peseiro
, Manuel José ou Vítor Pereira seriam escolhas com bons trunfos mas, por razões diferentes, com menos argumentos do que Fernando Santos exibe.

Um
estrangeiro? Houve quem falasse em Mancini.

Sobre esta via, recordo que
Portugal é o país com mais treinadores na fase de grupos da Champions (J osé Mourinho, Jorge Jesus, André Villas-Boas, Leonardo Jardim, Marco Silva, Paulo Sousa), teve três técnicos na fase final do Brasil-14 (Paulo Bento, Carlos Queiroz, Fernando Santos). Qualquer boa regra pode e deve ter exceções, mas a regra deve ser a de que a Seleção seja treinada por um português.

Desafio: ser melhor que Paulo Bento

Já não fará muito sentido voltar ao tema «será que Paulo Bento devia mesmo ter saído já da Seleção», ainda se mantenha por esclarecer verdadeiramente o que levou à rutura.

Mas há uma questão central a pôr-se neste «dia 0» de Fernando Santos como selecionador: será que vai ter condições para fazer um trabalho melhor do que o seu antecessor faria se tivesse continuado?

Esta dúvida leva-nos para a área que deverá ser objetivo prioritário de Fernando Santos no comando técnico nacional: se o seu currículo retira quaisquer dúvidas sobre as suas competências para o cargo, o que garante que tenha melhores instrumentos do que o seu antecessor para enfrentar os grandes problemas da Seleção?

A realidade é esta: a qualidade dos jogadores «selecionáveis» baixou em relação aos últimos anos; a necessidade de «renovar» o leque de convocáveis existe, mas a derrota com a Albânia (que acabou por ditar a saída de Paulo Bento, que dias antes havia sido reforçado pela reorganização anunciada pela direção da FPF) lembrou-nos que, por muito que o «planeamento a longo prazo» seja importante numa seleção, os resultados imediatos continuam a contar muito.

Considero que Paulo Bento teve balanço positivo na sua passagem pela Seleção: esteve a um remate à barra de chegar à final do Euro-2012 (tendo assumido funções num quadro de grande dificuldade de conseguir chegar a essa fase final). Conseguiu apuramento para o Brasil-14 e, obviamente, falhou claramente na fase final do Mundial.

Porque é que é importante recordar isto agora?
Porque me parece que a herança de Fernando Santos é especialmente complicada: a bitola de exigência em torno da Seleção continua elevada (os bons resultados na últimos década e meia assim o permitem), mas a realidade concreta aponta para alguns «cisnes negros» que, no mínimo, devem gerar preocupação.

Falando claramente: será provável que Fernando Santos consiga chegar à meia-final do Euro-16? Não. Nada provável, mesmo. Pois, mas o mesmo Paulo Bento que agora é tão contestado conseguiu fazê-lo no Euro-12.

A gestão de expetativas será, por isso, uma necessidade do novo selecionador nacional. Vai precisar de tempo. Vai ter que pedir paciência.

Vamos ter todos que nos habituar à ideia de que, continuando Portugal a ter uma boa seleção, já não é uma candidata ao título ou, pelo menos, à chegada à final ou às meias-finais de grandes competições.

E isso não muda com esta mudança no comando técnico: Fernando Santos terá que encontrar a dose certa entre continuar a assegurar bons resultados (a qualificação para o Euro-2016, em quadro tão facilitado, é obrigatória) e ir colocando sangue novo, de modo a alargar o leque de escolha para os próximos anos.

Vai exigir muito trabalho, planeamento e organização (tudo qualidades que Fernando Santos mostrou na sua carreira, sobretudo nestes quatro anos na seleção grega).

O castigo


Fernando Santos tinha tudo para ser a escolha óbvia para suceder a Paulo Bento. Só não terá sido tão imediata por força do tal castigo de oito jogos de foi alvo por parte da FIFA, na sequência de expulsão no encontro dos oitavos com a Costa Rica, que ditou a eliminação nos penalties no Mundial-2014.

Uma sanção deste calibre, sobretudo porque se aplicará precisamente em jogos oficiais ao serviço de seleções, tem consequências especialmente custosas para as novas funções de Fernando Santos.

Aliás, diria até que numa situação normal, um castigo de oito jogos seria motivo para que um treinador fosse descartado como opção para suceder a Paulo Bento.

Mas a história de Fernando Santos com a Seleção Nacional não é uma história qualquer: as hipóteses de «casamento» já tinham sido tão concretas que a união, neste contexto (Paulo Bento de saída em fase tão inicial do apuramento para o Euro-2016 e Fernando Santos ainda disponível, depois de não renovar com a Grécia), se tornou inevitável.

Será fundamental que, no plano desportivo, seja minimizado o impacto do castigo da FIFA a Ferrnando Santos, para os interesses da Seleção. A chave estará no modelo encontrado e que só deverá ser conhecido na totalidade na apresentação desta quarta-feira, na sede da FPF.

É importante para um selecionador poder estar no banco? Claro que é. Mas não é tudo e desde que o modelo apresentado seja funcional, poderá ser um problema contornável. Sejamos francos: se, por acaso, os resultados desportivos nos jogos em que Fernando Santos não puder sentar-se no banco não forem positivos, é óbvio que este tema ganhará um impacto enorme.

Donde, Fernando Santos foi mesmo uma aposta a longo prazo e não apenas uma solução para garantir o apuramento para o França-2016.

Os objetivos

Diria que Fernando Santos tem três grandes objetivos: um imediato (pôr Portugal na fase final do Euro-2016); outro a curto/médio prazo (o de travar a queda livre da Seleção, iniciada no Mundial e agravada com o escândalo da derrota com a Albânia, mantendo-a como Seleção competitiva); e um terceiro mais abrangente e de longo prazo (o de introduzir qualidade na Seleção principal aproveitando melhor o talento dos futebolistas que, nos últimos anos, conseguiram bons resultados nas seleções jovens).

A relação com Ilídio Vale e Rui Jorge será, por isso, uma das chaves, mas, na verdade, essa já era uma via apontada pelo tal Gabinete Coordenador Técnico Nacional, criada a 26 de agosto, semanas antes da demissão de Paulo Bento.

O peso de CR7

É outro ponto importante para avaliar o trabalho de Fernando Santos na Seleção. Cristiano Ronaldo confere um suplemento de qualidade indiscutível à Seleção Nacional. É o capitão, o melhor jogador da equipa, talvez o melhor do Mundo. Mas a principal força de uma equipa reside no coletivo. CR7 deve ser sempre a solução e nunca o problema. Quando não pode jogar, deverá haver a sensação de que temos alternativas. O novo selecionador deve procurar criá-las dentro do grupo.

Não acredito que Ronaldo tenha sido o principal motivo da saída de Paulo Bento. Mas as declarações do ex-selecionador, na entrevista à RTP Informação, ao fazer questão de dizer que «o mais completo jogador» que treinou foi João Moutinho, teria uma crítica implícita a CR7.

Com Fernando Santos, será que Ronaldo vai ser sempre a solução e nunca um problema?

«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?