O que é que o clássico nos disse?
 
Uma análise mais focada no jogo e no comportamento tático de FC Porto e Benfica já foi feita no Maisfutebol neste texto do Pedro Barbosa, nestes destaques do Vítor Hugo Alvarenga ( Benfica e FC Porto) e na crónica que escrevi sobre o jogo no Dragão.  
 
Também do ponto de vista histórico, a vitória do Benfica por 0-2 coloca o resultado num dos pontos mais altos dos registos das visitas dos encarnados à casa portista, como podemos perceber lendo este texto e esta peça sobre o feito de Lima, que nos remete para Eusébio e Peyroteo.
 
O triunfo das águias foi justo e meritório. E, sim, Lima foi extraordinário no aproveitamento das escassas oportunidades que teve para faturar no Dragão – é isso que se pede a um avançado, sobretudo de um grande em partida entre grandes.
 
Se um clássico se resolve quase sempre nos detalhes, esta vitória do Benfica foi mesmo de detalhes: o conjunto de Jorge Jesus teve menos posse, muito menos ataques, muito menos remates, mas ganhou nos pormenores que decidem: foi mais eficaz, mais inteligente, mais sagaz, mais estratégico e, já agora, muito mais afortunado que o eterno rival.

Três ideias que ressaltam
 
Dois dias depois do triunfo benfiquista no Dragão, que outras conclusões deveremos tirar mais a frio, e com a distância de 48 horas de leituras, análises e revisões dos lances?
 
Três ideias essenciais, na minha opinião:
 
-- o Benfica venceu bem, foi eficaz nos momentos decisivos e apanhou o FC Porto de surpresa. Facto. Mas este 0-2 pode dar sinais ilusórios: nem o FC Porto esteve assim tão mal nem o Benfica jogou assim tão bem;
 
-- a sorte e questões aleatórias, exteriores ao que os treinadores possam antecipar ou preparar têm, em alguns jogos, um peso muito grande. Creio que o clássico foi um desses casos: o Benfica chega ao 0-1 em contra-corrente, depois de 20/30 minutos iniciais em que o FC Porto teve oportunidades suficientes para resolver a questão; faz o 0-2 numa altura em que já tinha o jogo mais controlado, mas mesmo depois do bis de Lima, o FC Porto só com muito azar não reduziu para 1-2 ( se aquela bola à barra de Jackson, aos 80, entrava, seriam dez minutos finais terríveis para os encarnados)
 
-- o FC Porto pode queixar-se da falta de sorte, como refiro no ponto anterior, mas tem sobretudo que lamentar a sua própria incapacidade para dar a volta à situação de desvantagem. No momento do 0-1, esse cenário era injusto para os dragões. Mas a verdade é que a equipa de Lopetegui tinha ainda 60% do tempo de jogo a cumprir e não mostrou força anímica e capacidade para reverter. Com exceção dos minutos que se seguiram ao 0-1 e às tais oportunidades depois do 0-2, na globalidade do que se jogou desde que o Benfica ficou em vantagem, não se viu um FC Porto personalizado e dominador.
 
Posto isto, como fica a luta pelo título a partir de agora?
 
A primeira tendência poderá ser a de dizer que o Benfica teria as portas abertas para festejar o bicampeonato.
 
Seis pontos são, no campeonato português (muito desequilibrado, com os dois primeiros bem mais fortes que os restantes), diferença assinalável.
 
É certo que já vamos partir para a 14.ª jornada, mas convém lembrar que esta Liga tem 34 rondas. Se tivesse só 30, diria que a vantagem benfiquista já era de relevar.
 
Assim, manifestamente, a vantagem do Benfica é mais psicológica que outra coisa. Seis pontos são dois jogos. Duas escorregadelas da águia (ou três, se contarmos a questão da vantagem direta que o Benfica agora tem sobre o FC Porto, por ter ganho no Dragão por 0-2).
 
Em 21 rondas que restam, sou capaz de apostar que o Benfica vai ter falhas suficientes para o FC Porto poder sonhar com a recuperação do título. A questão estará muito na tal capacidade que os dragões possam vir a ter para assumir a «remontada».

Há dois anos, convém lembrar, o FC Porto de Vítor Pereira recuperou de desvantagem de cinco pontos e numa fase bem mais adiantada da época. Mas também é verdade que, desde aí, Jorge Jesus tem dado provas de ser um treinador mais calculista e capaz de responder aos momentos de maior decisão.

Dúvidas a esclarecer

Este FC Porto de Lopetegui exibia, até ao clássico, o rótulo de única europeia sem derrotas na Liga e, simultaneamente, sem derrotas na Champions. Perdeu esse título, é claro, com o bis de Lima, mas a qualidade dos dragões continua lá.

Diria até que, numa análise um a um, o FC Porto tem melhor plantel que o Benfica em 14/15.

A grande dúvida que persiste neste FC Porto é esta: foi só coincidência ter falhado nas receções a Sporting e Benfica, ou isso indicia falta de «lastro» de um plantel com muitas soluções, mas ainda sem equipa para fazer frente aos grandes embates?

Ainda do lado portista, há outra dúvida a tirar: o facto de continuar na Champions, enquanto o Benfica pode preocupar-se apenas com a frente nacional (Liga e taças) será uma desvantagem (pela sobrecarga de jogos) ou um bónus (pela intensidade competitiva e pela subida de auto-estima)?

Talvez seja aí que entre, de forma decisiva, o dedo de Lopetegui: será o espanhol o treinador indicado para dar ao FC Porto uma época vencedora, já em 14/15?

A classificação indica boa vantagem benfiquista. Mas o calendário deixa, ainda, quase todos os sonhos em aberto para os dragões (tirando a Taça de Portugal, claro).

O clássico de domingo à noite mostrou um Benfica como vencedor justo. Mas esteve longe de nos contar tudo sobre o duelo entre dragões e águias para a época inteira.
 
«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?