Assumindo o risco inerente a uma hecatombe do Benfica que leve o título de volta para o Norte, vou assumir o que meio país já fez depois da jornada do último fim de semana: pelo quarto ano seguido, a festa será vermelha e branca.

Curiosamente este parece um título que tem tanto de esperado como de surpreendente. Se, por um lado, sobretudo a partir do harakiri do Sporting, ficou a ideia que o Benfica tinha, de longe, o plantel com mais soluções da Liga, o que levaria a um caminho simples até ao tetra, por outro o trilho foi, afinal, bem sinuoso. Ou, pelo menos, já que a liderança foi quase sempre encarnada, mais sinuoso do que o anunciado.

Mérito de um FC Porto com menos soluções mas com um grupo que soube sair algumas vezes (não as suficientes, claro) de situações de aperto e criar uma onda que chegou a incomodar bastante o rival. O possível título do Benfica não foi simples, mas, também é certo, nesta série de quatro só no primeiro ano as águias voaram claramente acima dos demais.

O campeonato prepara-se, então, para ser ganho pela equipa mais fiável da Liga e isso faz todo o sentido. Diria, até, que é o mais normal.

O Benfica não foi espetacular, poucas vezes entusiasmou e não deu espaço aos adeptos para grandes sonhos, como prova a campanha na Champions. Foi, isso sim, meticuloso, pragmático e, lá está, fiável. Como provam os recentes resultados fora de portas: em 2017, só venceu um jogo fora de casa por uma diferença superior a um golo. Logo o primeiro, em Guimarães. Depois, ou perdeu, ou empatou, ou ganhou 1-0.

A quantidade de triunfos pela margem mínima mostra, como se disse, um campeão de pouco brilho mas muito competente e fiável. Como aquele carro que não espanta tanto como o modelo mais novo, mas deixa menos despesa no mecânico.

Depois, é preciso ver ainda o que não fizeram os rivais. Porque um campeão também nasce disso.

O Sporting foi, claro está, a maior desilusão. Com um plantel que chegou a parecer mais rico do que o anterior, fez muito pior quando se esperava uma continuidade face ao crescimento da época passada. As contratações sonantes foram, exceção feita a Bas Dost, tiros ao lado. O Sporting não teve o Markovic do Benfica, o Elias da seleção brasileira ou o Joel Campbell do Mundial 2014. Teve sombras de todos eles e, quando as dificuldades surgiram, não houve capacidade de dar a volta.

O FC Porto é um caso mais complexo. A época saberá sempre a pouco, naquela casa, quando nada se ganha, embora - é preciso ter memória - tenha chegado a parecer que seria bem pior, com uma pré-temporada para esquecer e um plantel com excesso de juventude em posições decisivas. A contratação falhada de Depoitre quando urgia chegar um ponta de lança, a indefinição com Brahimi ou a incerteza da chegada de um central para compor o grupo foram apenas alguns episódios que mostraram uma equipa de comportamento pouco afinado.

Mas a verdade é que, sobretudo a partir de janeiro, a equipa que tinha sobrevivido a uma fase negra com um golo de um júnior em cima da hora, chegou a fazer os adeptos acreditar que era possível. O Benfica ficou mais perto e só não foi ultrapassado porque o FC Porto falhou na pior altura: o empate com o V. Setúbal marca a temporada. Como seria o campeonato se o FC Porto tem passado para a frente? É dúvida que nunca vai ser tirada.

A verdade é que esse jogo, e outros, mostraram um dado preocupante: fraca capacidade de reação às adversidades. João Carvalho gelou o Dragão a meia hora do fim e a equipa perdeu-se de vez. Djousse deu a machadada na Madeira a vinte minutos do fim e pouco criou o FC Porto a partir daí. Veja-se o Benfica-Estoril: com os encarnados encostados às cordas veio o empate, mas cinco minutos depois, praticamente, já Jonas deixava tudo na mesma. 

Ponto óbvio a favor do Benfica: a qualidade individual. O golo que pode ser decisivo para o tetra, em Vila do Conde, foi apontado pelo terceiro avançado do plantel. Acredito que seria titular do FC Porto, por exemplo.

É impossível, ainda, fugir à questão das arbitragens, bastante penalizadoras para o FC Porto na primeira metade da época, essencialmente. Porém, quando o prejuízo estava eliminado e havia possibilidade de ser feliz a equipa falhou e esse ponto faz ruir outros argumentos. Houve muitas fases da época do FC Porto em que meros raios de sol foram confundidos com a chegada do Verão.

O campeão pode acabar a época com mais derrotas do que o segundo classificado e, nesta altura, tem até menos golos marcados e mais sofridos. Nestas condições, não é difícil então perceber por que será o Benfica a fazer a festa: perante o desacerto do rival, foi, numa palavra, competente.

E, sendo certo que não é lá muito entusiasmante, a verdade é uma: a competência, normalmente, dá frutos.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.