«O GOLO DO EDER» é um novo espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória». Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.

Num mundo perfeito, Eder pendurava as chuteiras. Vivia dos rendimentos, arranjavam-lhe uma salinha na Casa das Seleções, onde pudesse estar oito horas por dia ao lado do troféu do Europeu a assinar postais à criançada, a tirar fotos, responder a perguntas nas redes sociais e recordar o momento de Paris ad aeternum.

Num mundo perfeito, Eder não tinha de sujeitar-se a um possível falhanço de baliza aberta, a uma tentativa que sai por cima, a uma escorregadela digna de um qualquer mortal, nem sequer a um remate que até era bom mas não entra.

Num mundo perfeito, Eder seria só o minuto 109 da final. Aquele pontapé com toque divino merecia ser a sua última imagem num relvado.

Mas o mundo não é perfeito e Eder já o sabe. Não voltou a marcar desde Paris, já lá vão sete jogos, e o herói nacional que, ainda nem há três meses decretou feriado a plenos pulmões, procura voltar a ver a luz no último classificado da Liga francesa.

O treinador já lhe disse para fazer o que nenhum português que goste de bola consegue: esquecer a final do Euro. Será esse o caminho e longe de mim querer dar conselhos. Deixo esse trabalho para Susana Torres.

Eder é apenas um exemplo, entre muitos, de como o futebol é o momento e a confiança. À semelhança do que aconteceu com o portista Kelvin, muitos vão dizer que o pior que poderia ter acontecido a Eder foi marcar aquele golo. O que é cruel e injusto. Ter-me-ia custado o momento mais feliz da minha vida desportiva.

A questão mais importante do rescaldo passa por perceber se alguém achou que aquele remate faria alguma diferença para lá do apito final. O que mudaria Paris? Eder é o mesmo, com todas as virtudes e defeitos. É esse processo que está a decorrer: que todos lembrem que Eder é a mesma pessoa. Fez o jogo perfeito, o jogo de uma vida e sabe que, muito (mas mesmo muito) provavelmente, não terá outro momento assim em toda a sua carreira. Mas, tirando o carinho nacional, nada mais mudou. É a mesma cabeça, o mesmo corpo, os mesmos pés.

Tivesse, por exemplo, Cristiano Ronaldo marcado o golo da vitória e era apenas mais uma página para a lenda. Voltaria ao Real Madrid, iniciaria novo duelo com Messi pelo trono do mundo, provavelmente voltaria a vencer troféus e a marcar em finais. Mais um dia no escritório, praticamente.

Mas quem marcou foi aquele que muitos até defendiam que nem devia lá estar. Que, nas palavras de um colega, sofreu, praticamente, cyberbullying antes do torneio. Foi elevado a herói e vai ter de saber aguentar-se à tona porque, sabemos, o futebol é efémero.

O pior que aconteceu a Eder não foi ter marcado aquele golo. Foi ter de esperar meses pelo jogo seguinte. A confiança ganha ao despachar Koscielny e bater Lloris não teve seguimento imediato. E a confiança é tudo no futebol.

Veja-se Moussa Marega. Outro caso de bullying nas redes sociais, com meia época miserável ao serviço do FC Porto. Em cinco jogos mudou o figurino. Marcou em todos, lidera a lista de melhores marcadores da Liga e parece outro. E o parece é a palavra-chave. Marega, como Eder, é o mesmo. Com todas as virtudes e defeitos. Mas acredita mais em si vestido de branco do que com listas azuis. E isso faz a diferença.

Ao Eder resta começar de novo. Terá sempre Paris, claro. Mas o mundo não é perfeito e aquele pontapé mudou mais o país do que o homem.

Não me venham é dizer que não valeu a pena...